Por: Fernando Molica

As PPPs formadas por bandidos e agentes do Estado

Antonio Gritzbach | Foto: Divulgação/Polícia Civil de São Paulo

A descoberta de que saiu de depósito da PM paulista parte dos projéteis que matou Vinícius Gritzbach, delator do PCC, e a prisão de 15 policiais suspeitos de participação no crime apenas reforçam que não existe crime organizado em algum grau de associação com agentes do Estado.

Há bandidos, digamos, free lancers que roubam, assaltam, matam de maneira isolada, que a cada dia atacam pelas cidades. Estes conseguem ter uma certa autonomia, no máximo formam pequenas quadrilhas, muitas vezes provisórias.

Mas não dá pra achar que seja possível dominar territórios, lavar dinheiro, receber e vender drogas, negociar armas e garantir um fluxo permanente de munição sem que haja uma espécie de PPP, parceria público-privada.

Com raras exceções, aqueles que por aqui chamamos de traficantes são pouco mais do que violentos camelôs de substâncias consideradas ilegais. Geralmente são homens jovens, de baixa instrução, moradores de favelas, incapazes de estabelecer contatos e relações comerciais com fornecedores das mercadorias que necessitam para tocar seus negócios.

Pessoas incapazes de encomendar armas e drogas a grandes traficantes internacionais. Esses bandidos - já entrevistei muitos deles - costumam ter dificuldades até para falar português de uma maneira lógica e compreensível.

Outras marcas da pobreza, como postura e incapacidade de interação num universo mais formal, fazem com que esses homens tenham mobilidade restrita, são praticamente obrigados a ficarem confinados em suas comunidades. Precisam de gente que negocie e leve drogas, armas e munições até eles. E é aí que entra o Estado, principalmente - mas não exclusivamente -, integrantes das forças policiais.

O próprio domínio territorial que exercem é uma demonstração da conivência estatal. De maneira até irônica, coube a alguns grupos milicianos mostrarem o quanto era mentirosa a história de que favelas eram redutos inexpugnáveis.

Os policiais que, na época, eram maioria absoluta nessas quadrilhas, não tiveram muita dificuldade para expulsar traficantes de territórios que, a partir de então, passariam a controlar. Fizeram, nas horas de folga, o que alegavam ser impossível durante a jornada de trabalho oficial.

Suas performances foram tão significativas que ajudaram, pelo exemplo, a formatar as Unidades de Polícia Pacificadora, iniciativa que, durante alguns anos, e que, apesar de suas limitações, apontou para um caminho na área de segurança pública. Mostrou que a sucessão de operações policiais gera apenas cadáveres, conflitos e manutenção de esquemas lucrativos nas tantas PPPs espalhadas pelo país.

Não é simples encaminhar soluções para problemas de segurança tão graves e que chegam a ameaçar a existência do país institucional - é só ver o que ocorreu na Colômbia e que acontece no México. Mas, a cada dia, o Estado brasileiro renova a disposição de decretar sua falência institucional ao insistir num modelo de combate à violência que colabora apenas para manter tudo como está.

Ao longo dos séculos, o poder brasileiro olhou para fora de seus palácios ao falar em controle da bandidagem - o marginal sempre foi o outro, geralmente, pobre e preto. Já passou da hora de inverter a direção do olhar, prestar atenção nas estruturas criminosas que existem no próprio Estado, que dele se alimentam, que nele se reproduzem.

O exemplo do caso Gritzbach é apenas mais um. Até agora, o envolvimento de agentes estatais neste crime está restrito a policiais. Mas seria inocência pensar que esses funcionários não agiam respaldados por outros poderes, criadores e mantenedores das PPPs que mais crescem no país.