Por: Fernando Molica

Os deputados que não se emendam

Lira: paralisação de comissões viabilizou documento de líderes sobre emendas | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino deu um presente de R$ 4,2 bilhões aos cidadãos brasileiros ao barrar a liberação de emendas parlamentares aprovadas na base do "La garantía soy yo".

Não é razoável pagar 5.449 emendas com base numa espécie de abaixo-assinado de 17 líderes. Isto sem que, aparentemente, tenha sido cumprido o ritual de aprovação de cada uma delas por comissões da Câmara. São, afinal, emendas de comissão, não do Colégio de Líderes. 

A pretexto de concentrar esforços na aprovação de medidas urgentes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), suspendeu o funcionamento de todas as comissões da Casa, o que serviu de pretexto para a não aprovação de tais emendas. 

Já é escandaloso que caiba a deputados e senadores decidirem o destino de entre 20% a 25% do dinheiro que sobra para investimentos, a pouca grana que não é comprometida com o pagamento de despesas obrigatórias.

Em nenhum outro país parlamentares destinam tanto dinheiro assim. Ao bater pé pelas emendas, o Legislativo faz o que tanto acusa o Judiciário de fazer: invade prerrogativas de outro poder, no caso, do Executivo. Ao longo dos últimos anos, aproveitando-se da fragilidade de alguns presidentes, o Congresso enfiou na Constituição a obrigatoriedade de aceitação e pagamento de emendas.

Tamanha sede contraria o que prevê a própria Constituição ao citar os poderes do Legislativo. A quem cabe, principalmente, como está explícito em seu nome, fazer leis, legislar. Cabe ao Congresso tratar de diretrizes orçamentárias e orçamento anual. Traçar diretrizes não é executar recursos.

Apesar do poder de deputados e senadores, o país é presidencialista, escolha dos constituintes foi reafirmada por grande maioria no plebiscito de 1993. O semipresidencialismo que, na prática, foi implantado entre nós viola o desejo da população e cria um sistema ancorado na irresponsabilidade.

Diferentemente do que ocorre no parlamentarismo, o Congresso, por aqui, não pode ser responsabilizado por engasgos fiscais, a conta vai toda para os ocupantes de cargos no Executivo.

Político experiente, ex-governador do Maranhão, Dino conhece mecanismos envolvidos em indicações e liberações de emendas parlamentares, sabe também dos muitos esquemas de desvio de grana.

A Constituição manda pagar as emendas, mas é preciso que o Estado e a sociedade tenham um mínimo de controle sobre origem e destino de tanto dinheiro. Em sua decisão, o ministro do STF determinou o óbvio: quer a publicação das atas das reuniões de comissões permanentes que aprovaram as 5.449 emendas e outros dados que permitam transparência e rastreio dos valores. Exigências simples, até banais.

Dino aproveitou a deixa para tocar na ferida que associa pagamento de parte das emendas à corrupção. Citou operações da Polícia Federal, notícias publicadas e falou em "degradação institucional" e em "inaceitável quadro de "inconstitucionalidades em série". 

A pulverização das emendas em muitos objetivos facilita os desvios e dificulta os controles, já que, de um modo geral, referem-se a obras e serviços de menor porte: no caso das tais 5.449, a média de cada uma ficaria em R$ 771 mil, valor irrisório na administração pública, o que nem sempre chama a atenção da polícia, do Ministério Público e de tribunais de contas. Geralmente concentram sua atenção em empreendimentos de maior vulto.

O freio de arrumação aplicado por Dino é decisivo para ao menos diminuir uma sangria que ameaça distorcer de vez o exercício das funções públicas e desmoralizar o Congresso e as negociações políticas. O que está em jogo é muito mais que dinheiro, é a própria necessidade da democracia.