As derrotas de aliados que teimou em plantar em diferentes capitais do país colocaram Jair Bolsonaro diante de uma nova realidade: as filas da direita e da extrema direita começaram a andar.
O ex-presidente desde sempre faz uma política baseada no bloco do Eu Sozinho. Foi assim que, graças a fatos inesperados da conjuntura brasileira, chegou à Presidência. Lá, manteve o estilo — fazia o lhe dava na telha, sempre de acordo com os interesses da única família que nunca deixou de defender, a sua.
Rompeu com aliados que, suspeitava, articulavam algum tipo de traição; arrumou pretexto para romper com o então governador paulista, João Dória, que cometera o pecado de se anunciar candidato à Presidência.
Depois de, para salvar o pescoço, terceirizar o governo para o Centrão, Bolsonaro ficou livre — boa parte do tempo foi dedicada a destruir o combate à pandemia. Entre uma sabotagem e outra ele, pelo que apontam os fatos e as investigações, tratou de fortalecer a articulação de um golpe.
Presidente do PL, Valdemar Costa Neto é obrigado a engolir Bolsonaro, principal responsável pela imensa bancada do PL na Câmara. Mas tenta conciliar os rompantes do aliado com o pragmatismo que marca sua trajetória.
Proibido pela Justiça de se encontrar com Bolsonaro, Costa Neto acabou fornecendo a corda com que Bolsonaro ameaça se enforcar. Concordou com o lançamento do até então desconhecido deputado Alexandre Ramagem para a prefeitura carioca, aceitou também as candidaturas de aprendizes de Nikolas Ferreira para diversas capitais — quase todos foram derrotados.
Filho bastardo do bolsonarismo, Pablo Marçal não foi pro segundo turno em São Paulo, mas mostrou que a extrema direita não tem dono, que seus eleitores estão abertos para ouvir outros aventureiros capazes de reciclarem o discurso do arrombou a festa.
Políticos de uma direita mais tradicional, menos dependente do bolsonarismo, aplicaram algumas chineladas no ex-presidente. Veterano adversário da esquerda e do petismo, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), deu, nas urnas, um chega pra lá no ex-aliado.
Bolsonaro não apoiou de verdade nem mesmo chapas em que foi responsável pela indicação dos candidatos a vice, em Curitiba (PR) e São Paulo. Desprezado ao longo da campanha, Ricardo Nunes (MDB) teria sucumbido se não fosse a mão amiga do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), outro que, por suas ambições presidenciais, já entrou na mira do ex-capitão.
Oportunista, apareceu em São Paulo na última hora para pegar carona na já então provável vitória do prefeito. Em declarações posteriores à eleição, Nunes ressaltou o papel de Tarcísio e destacou que um capitão não abandona seus soldados.
No processo eleitoral, Bolsonaro reafirmou o que dele já se sabia: é autocentrado, autoritário, incapaz de negociar, de transigir, de aceitar alguns recuos em nome de avanços futuros.
Ferido pela decretação de sua inegibilidade, ele conseguiu piorar a própria situação ao não aproveitar o processo eleitoral para ampliar a frente de aliados capaz de aprovar uma anistia para ele e para outros envolvidos na intentona golpista. Queimou pontes que eram necessárias para permitir avanços de seu já diminuído exército.
A provável apresentação de denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente vai fragilizá-lo ainda mais. Ele é um líder importante, mas como mostraram as urnas e, de certa forma antecipou o pastor Silas Malafaia, líderes escorregadios não são bem-vindos. Em 2018, Bolsonaro montou o cavalo que passou selado à sua frente; agora, vai ter que se esforçar um pouco mais.