As maiores vitórias no primeiro turno não foram de um suposto centro, mas do Centrão, um conglomerado não ideológico que se organiza em partidos e que demonstra fidelidade principalmente ao toma lá-dá cá.
O centro tão louvado nos últimos dias é uma abstração surgida da necessidade de definir agremiações que não são de esquerda ou de direita. Mas isso não as coloca no centro, é complicado transplantar para a política um conceito matemático.
A transformação do Centrão velho de verbas em centro dá ao grupo uma ideia de equilíbrio e de moderação que é contraditória com sua atuação, os integrantes do grupo costumam ser bem radicais na defesa dos próprios interesses.
O conceito de centro é baseado numa negação, não em definições. Na economia, por exemplo, eles seriam estatizantes ou privatistas? Topariam privatizar a Codevasf?
O viés conservador desses partidos até permitiria classificá-los como de direita ou de centro-direita. O enquadramento, porém, contrasta com o apoio de muitos deles a governos petistas.
Em 2010, a coligação que apoiou Dilma Rousseff incluía PRB (o atual Republicanos), PR (hoje, o PL), PTC (PJ que virou PRN — aquele do Collor — e Agir), PSC e PTN (os dois últimos passaram a formar o Podemos).
Por uma questão de estratégia eleitoral, Valdemar Costa Neto, que, no PR, cedeu o candidato a vice para Lula em 2002 e 2006, tratou de adequar seu PL à direita representada por Jair Bolsonaro. Isso não impede flertes com o governo no escurinho de nomeações difarçadas que se refletem no placar de votações do plenário da Câmara.
Mas praticamente todos os demais partidos do Centrão seguem o mantra franciscano proferido pelo eterno presidente de honra do grupo, o ex-deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996): "É dando que se recebe".
Isso não quer dizer que o Centrão não seja importante para o equilíbrio institucional. Apesar do oportunismo revelado na votação do impeachment da ex-aliada Dilma, esses partidos marcados pela maleabilidade de suas posições, costumam ajudar o governo de plantão, desde que devidamente recompensados.
Um processo que acabou abalado pela profusão da obrigatoriedade de liberação de emendas parlamentares, mecanismo imposto a Dilma e consolidado por Bolsonaro.
Com dinheiro no bolso e menos dependente de cargos cedidos pelo Executivo, o Centrão fez como muitos jovens, e fugiu do controle dos pais alojados no Palácio do Planalto. Trocou o papai me empresta o carro por um Porsche que, abastecido pelas emendas, saiu atropelando urnas no último domingo. Poderoso, cobra caro para fazer um agrado aos genitores e marcar presença num almoço de família.
A ascensão da direita a partir de 2018 permitiu ao Centrão juntar de maneira mais confortável a fome de poder com a vontade de aderir. Foi liberado para defender propostas mais compatíveis com o conservadorismo que carrrega, marcado menos por convicções econômicas e comportamentais e mais pelo compromisso de manutenção das estruturas arcaicas, excludentes e ancoradas no extrativismo estatal.
Fatos ocorridos nas últimas décadas mostraram que não há monopólio de virtude nem de pecados na vida partidária brasileira, mas a existência de alguma definição ideológica de agremiações e de políticos é importante para a vida institucional, permite até alguma previsibilidade em votações.
Ter parlamentares não radicais, capazes de ceder à direita ou à esquerda é fundamental. Trocar votos no Congresso por vantagens políticas ou pessoais não chega a ser novidade — mas convém não atribuir qualidades inexistentes a um fisiologismo que tanto prejudica o país.