O mesmo governo que tenta fazer caber na limitada mala do arcabouço fiscal bilhões de reais em despesas que escapam do orçamento vê aumentar em cerca de R$ 20 bilhões seus gastos tributários — aquela grana pesada dos incentivos fiscais, dinheiro que deixa de entrar no cofre que é de todos nós.
Em 2025, o governo vai deixar de arrecadar R$ 543 bilhões em impostos. Para se ter uma ideia do que isso representa, despesas extraordinárias para socorrer o Rio Grande Sul devastado pelas enchentes somam R$ 40,5 bihões, 7,43% do total de incentivos. Muita gente reclamou da intenção de destinar para o vale-gás R$ 5 bilhões em 2025 e R$ 13,6 bilhões em 2026.
É muito dinheiro, mas o valor a ser investido, ano que vem, no programa que garante gás na cozinha é um pouco menos do que o Tesouro deixará de arrecadar com impostos do setor de turismo e eventos, beneficiado pelo Perse, programa destinado a compensar perdas da pandemia.
A concessão e manutenção de incentivos fiscais no patamar brasileiro é algo tão escandaloso que a limitação desse carinho que sucessivos governos dão com o nosso chapéu chegou a unir Paulo Guedes e Fernando Haddad, ex-ministro da Economia e atual ministro da Fazenda.
É razoável que o Estado decida, por algum tempo, estimular com isenções alguns setores da economia, mas não dá pra aceitar que determinadas áreas tenham que ser sustentadas a vida inteira. Parece o sujeito que, aos 40 anos de idade, considera-se um adolescente incompreendido e vive às custas dos pais.
O problema é que esses jabutis gigantescos foram sendo plantados ao longo de décadas no orçamento graças a pressões de grupos políticos e econômicos muito fortes, que não admitem abrir mão de privilégios — é só ver a grita de 17 setores da economia que não aceitaram o fim de um benefício criado para ser temporário.
O Simples Nacional, mecanismo de simplificação e redução tributária, deverá custar R$ 121 bilhões à sociedade em 2025, quatro vezes mais que a ajuda federal ao Rio Grande do Sul e 72% do Bolsa-Família, que tem 21 milhões de beneficiários. O agro esbanja competência e tecnologia, mas está autorizado a deixar de pagar R$ 83 bilhões em impostos federais.
Lucros e dividendos embolsados por empresários também são isentos e representam R$ 57 bilhões a menos no dinheiro que o governo — qualquer governo, de direita ou de esquerda — deixa de arrecadar. O que muitos milionários não pagam é compensado por impostos cobrados de mais pobres, no consumo.
Entidades sem fins lucrativos — entre elas, grandes hospitais e universidades privados — vão deixar de recolher R$ 45 bilhões em 2025; aquelas deduções que muitos de nós fazemos no imposto de renda (gastos com saúde e educação), somarão R$ 34,75 bilhões; empresas Zona Franca de Manaus e outras áreas de livre comércio ganharão R$ 30 bilhões.
O povo que xinga a antiga Lei Rouanet e outros incentivos para produção artística e audiovisual bem que poderia anotar um número: a grana abatida em impostos é alta, quase R$ 3 bilhões. Mas isso representa 3,6% do que vai para o agro que soa tão pop e que tanto exalta a livre iniciativa.
Enquanto abre mão de arrecadar caminhões de dinheiro, o governo se vê no alvo dos que exigem mais e mais cortes de despesas, principalmente na área social. É justa a preocupação com o equlíbrio das contas, com a ineficiência de áreas públicas e com o risco de inflação gerado por gastos descontrolados.
Mas boa parte dos que gritam pelo corte de investimentos que beneficiam mais pobres passa ao largo do dinheiro que financia os hospitais e universidades que frequentam, esquecem que o setor automotivo deixará de pagar R$ 7,7 bilhões de impostos em 2025.
É como se gritassem algo como "Cortem lá e mantenham aqui". Ou, para citar o então presidente Michel Temer: "Tem que manter isso aí, viu?"