Os acenos de Jair e de Carlos Bolsonaro a Pablo Marçal reforçam o pragmatismo do ex-presidente, seu desprezo por compromissos partidários e a inocência e/ou oportunismo dos que avaliam haver uma possibilidade de moderação do bolsonarismo.
Mais uma vez, Bolsonaro mostra que defende muito uma família, a sua, e que está atento para a direção dos ventos. Como o Correio Bastidores antecipou na terça, candidatos a vereadores da coligação que apoia Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição, já estavam se bandeando para o lado de Marçal.
Bolsonaro deu a senha para o esvaziamento de Nunes ao dizer que ele não era o candidato dos seus sonhos. De quebra, ainda elogiou o desempenho de Marçal em debate. Depois, o ex-presidente tentou ajeitar a situação, forjou uma briga com o empresário — mas as pesquisas que mostram o crescimento do candidato do PRTB e o desempenho até agora pífio de seus candidatos em outras capitais importantes foram o argumento definitivo para sua rendição.
Seu apoio a Nunes foi uma concessão ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que apesar da gratidão a Bolsonaro pelos votos que robusteceram seu partido, tem um estilo próprio de fazer política. O ex-presidente queria lançar seu ex-ministro Ricardo Salles à prefeitura, mas sucumbiu aos argumentos de Costa Neto e de lideranças como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Para dizer sim ao emedebista, Bolsonaro exigiu a entrega da vice para um radical, alguém que não envergonhasse de fazer arminha no palanque: Ricardo Mello de Araújo, coronel da reserva da PM, ex-comandante da Rota, batalhão que não pode ser acusado de excesso no respeito aos direitos humanos.
Nunes engoliu o coronel, mas tentou manter sua campanha na base dos baixos teores de bolsonarismo, e foi atropelado por Marçal, fruto da mesma plantação que gerou o ex-presidente e que, como ele, dá frutos com alta concentração de violência verbal, fake news, acusações sem provas e intrigas contra adversários.
Num primeiro momento, Bolsonaro viu em Marçal um adversário perigoso, capaz de roubar dele — inelegível em 2026 — o posto de maior líder da extrema direita. O coach tem sobre o ex-capitão vantagens como um discurso mais lógico, um domínio ainda maior das redes sociais e um currículo que, apesar da condenação por golpe bancário, serve de inspiração aos que sonham em ficar ricos num passe de mágica.
A família Bolsonaro depende dos contracheques emitidos pelo poder público: defende a privatização para os outros, mas nunca se demonstrou capaz de viver sem a proteção do Estado.
Marçal não deixa de ser uma ameaça ao reinado do ex-presidente; se vencer a eleição se tornará automaticamente candidato ao Planalto em 2026. Mas, neste momento, Bolsonaro sabe que mais importante é cuidar dos próximos meses, não dos anos que vêm pela frente. Precisa de respaldo político para tentar uma anistia que evite sua condenação e sua prisão, mesmo que às custas de pegar carona numa suposta imbrochabilidade do coach.
Dono, técnico e principal jogador do Bolsonaro Futebol Clube, o único para o qual realmente torce, o ex-presidente, ao deixar aberto o caminho para um apoio a Marçal, trata de cuidar de seu futuro e, mais uma vez, deixa pra trás interesses de aliados como Costa Neto e Tarcísio. Sua passagem pelo Planalto foi marcada também pelas rasteiras em correligionários que, para ele, poderiam vir a contrariar seus interesses.
Ao dizer que o palanque do ato de 7 de setembro estará aberto a todos os candidatos à prefeitura, Bolsonaro acenou para Marçal, valorizou o próprio passe, vingou-se do constrangimento demonstrado pelo emedebista ao receber seu apoio — o ex-presidente virou o jogo e, agora, Nunes é que depende ele.