Já que acham absurdo que medalhistas olímpicos e paralímpicos paguem imposto de renda sobre premiações recebidas, deputados, senadores e o presidente Lula poderiam ter feito uma vaquinha para, com seus próprios recursos, bancarem o carinho.
O problema é impor o custo do benefício a todos os brasileiros. Não custa repetir: dinheiro público não é dinheiro do governo, mas da população. O cidadão comum sofrerá uma bitributação: a maior parte da grana dos comitês olímpico (COB) e paralímpico (CPB) que será usada para remunerar os atletas tem origem pública, são verbas oriundas de apostas em loterias federais.
Em 2023, o COB recebeu 401,706 milhões da Caixa e o CPB, R$ 223,227 milhões. No total, entidades públicas e privadas dedicadas ao esporte abocanharam R$ 1,675 bilhão. Parte da arrecadação das loterias também vai para seguridade social, saúde, segurança pública, educação e pagamento de imposto de renda, o que reforça o caráter público da grana.
Do total do que os apostadores destinam à Caixa, apenas 46% compõem os prêmios. O cidadão que, ao fazer sua fezinha, financia práticas esportivas em boa parte tocadas por entidades privadas, como o COB, ainda terá que compensar o dinheiro que os medalhistas deixarão de pagar.
Pouco importa que a quantia que deixará de ser recolhida pelos medalhistas seja apenas um grão da arrecadação nacional. Mais uma vez, a força do lobby consegue criar uma isenção que beneficia alguns e prejudica os demais.
No caso, a questão está relacionada a um problema político criado por parlamentares bolsonaristas que ressaltaram uma suposta fúria arrecadatória do governo ao cobrar imposto de renda sobre as premiações.
O argumento não se sustenta: a carga tributária diminuiu no atual governo, a Receita Federal apenas cumpriria uma lei antiga, que não isenta tais ganhos. Os mesmos deputados não lembraram de fazer tal crítica durante o mandato de Jair Bolsonaro, quando o país disputou a Olimpíada de Tóquio. De um modo geral, esses parlamentares não se cansam de falar em responsabilidade fiscal, em cobrar austeridade do governo.
Argumentos parecidos e igualmente enviesados foram e são utilizados para manter ou conquistar benesses tributárias que costumam favorecer setores historicamente beneficiados. A lista inclui montadoras de automóveis, agronegócio, hospitais e instituições de ensino privados, profissionais inscritos no Simples, Zona Franca de Manaus, prefeituras, as tais 17 empresas que alegam precisar do presente para gerar empregos que não criaram, contribuintes que descontam gastos com saúde e educação.
Isso dá cerca de R$ 520 bilhões por ano. Todos, beneficiados ou não, subsidiamos essa conta, completamos o dinheiro que essas empresas, pessoas e governos deixam de pagar. Não importa a fragilidade dos argumentos, o Palácio do Planalto sentiu a pressão e tratou de, como uma medida provisória, tirar a iniciativa das mãos do Congresso Nacional, da oposição, em partiuclar. Mais uma vez, um governo deu bom-dia com os nossos chapéus de abas tão curtas.
A medida é específica para atletas que conquistarem medalhas nos jogos Olímpicos ou Paralímpicos, mas o precedente foi criado. Dá pra prever que concessão semelhante será reivindicada por premiados em praticamente todas as competições internacionais, como Jogos Pan-Americanos e campeonatos mundiais das diversas modalidades.
Vencedores de competições ligadas ao conhecimento levantarão o dedo se receberem dinheiro. Escritores e cientistas também poderão reivindicar isenção em caso de prêmios recebidos no exterior: imagina cobrar imposto do primeiro brasileiro que, um dia, receber um Nobel. E o cidadão comum, que acorda às 4h pra pegar ônibus lotado que trate de, com seus impostos sobre o salário apertado, garantir o privilégio dos outros.