Eu não esqueço meu começo inesquecível com dois dos maiores. Na primeira vez em que — assombrado — ouvi no rádio uma canção de João Bosco e Aldir Blanc, o locutor, ao dar os créditos, citou os autores como se fossem um só: "BoscoeBlanc".
Como eu então não sabia quem era um nem quem era o outro, achei que eram um só — de certa forma, acertei. O peso dos sobrenomes da parceria é tamanho que criou uma entidade à parte, citada principalmente na hora de se falar na autoria daqueles clássicos. No dia a dia, ambos são mais tratados pelos prenomes, João e Aldir.
Não vai aqui qualquer desmerecimento às grandes composições que eles escreveram com outros parceiros ou mesmo quando fizeram um trisal com Paulo Emílio, botaram um terceiro nome no jogo. Mas é que, juntos, foram/são espetaculares demais.
Num vídeo exibido antes do show de João, sexta passada, no Circo Crescer e Viver, no Rio, Aldir diz de seu espanto ao conhecer as melodias e acordes — entre agressivos e violentos — daquele mineiro de Ponte Nova. Naquele momento, decidiu que sua eventual carreira teria que estar atrelada à dele.
E deu-se a linha de passe com o autor de versos igualmente incisivos e surpreendentes, sacanas, mordazes, duros ao falar de nossas mazelas, descobridores do lirismo em band-aid no calcanhar, em dois pivôs tão graciosos, em sinal adquirido numa queda de patins em Paquetá — imagens que lançam luz vermelha a penteadeiras suburbanas, que dançam ao som de um vitrola onde repousa a capa de disco de Libertad Lamarque que destaca o tango "Fumando espero".
O encarte do LP "Tiro de Misericórdia" ilustra essa fusão ao trazer fotos dos compositores em alto contraste. Fica difícil saber quem é quem nesta tradução visual do "BoscoeBlanc" que nos deu "O bêbado e a equilibrista", "Corsário", "De frente pro crime", "Dois pra lá, dois pra cá", "O rancho da goiabada", "Vida noturna", "O mestre sala dos mares" (que, João, merece ser gravada com sua letra original, pré-censura).
Faz tempo, li em algum lugar relato que sintetiza bem a parceria dos dois. Eles dividiam um quarto de hotel e, ao sair do banho, João se supreendeu ao encontrar a versão definitiva de "Miss Suéter". Aldir escrevera com letra redondinha, de mocinhas caprichosas, o verso que entraria na gravação com Ângela Maria: "Um beijo, Margô".
O caso de João e de Aldir levanta a bola para outras igualmente ótimas parcerias na música brasileira, tema que merece ser mais bem explorado deste ponto de vista, da simbiose que faz com que dois grandes talentos criem um terceiro personagem, que traz as marcas de ambos, mas que vai além das individualidades.
Encontros que nos proporcionaram Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Noel Rosa e Vadico, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, Milton Nascimento e Fernando Brant, Wilson Moreira e Nei Lopes, Roberto e Erasmo Carlos. Nesse quesito, somos felizes, e sabemos.