Por: Fernando Molica

As 18 da lista do privilégio

Ao propor que integrantes de 18 profissões paguem menos imposto que os demais brasileiros, o projeto de regulamentação da reforma tributária descumpre, pelo menos, dois preceitos constitucionais: o da igualdade dos cidadãos e o da proibição de  "distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos".

A discriminação é baseada na emenda constitucional da reforma tributária, que estabelece a possibilidade de redução de 30% do futuro imposto para "a prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística".

O artigo 116 do projeto do governo praticamente repete o que foi incluído na Constituição e  estabelece o desconto para a prestação dos serviços das "seguintes profissões intelectuais de natureza científica, literária ou artística". A lista inclui, entre outros, arquitetos, engenheiros, economistas, professores de educação física, veterinários, contabilistas, bibliotecários. Todas as profissões relacionadas são fiscalizadas por conselho profissional.

A proposta de regulamentação preparada por um governo chefiado por um ex-operário assume a odiosa discriminação em relação a trabalhadores não agraciados com o adjetivo "intelectual", selo que, como os antigos títulos de nobreza, procura enaltecer os que supostamente pensam em detrimento dos que pegam no pesado.

Além de preconceituosa, a lista das 18 profissões privilegiadas fortalece a divisão social e econômica do país: quase todos os contemplados, os intelectuais reconhecidos pelo Ministério da Fazenda, exercem ofícios de nível superior: num prédio, morariam na cobertura e não no quarto do zelador. Pela tabela proposta pelo governo, um mestre de obras contratado para prestar serviços numa obra pagará proporcionalmente menos imposto que um engenheiro que atuar na mesma construção.

Mais: pela lógica tributária, o imposto que deixará de ser pago pelos integrantes das 18 da lista terá que ser compensado pelos prestadores de serviço de outras categorias profissionais. Estes vão subsidiar o privilégio daqueles. O tal mestre de obras terá que pagar pelo imposto que o engenheiro deixará de recolher aos cofres públicos. 

Na hora em que prestarem serviços, esses profissionais privilegiados pelo governo pagarão uma alíquota hoje prevista de 18,6%. Os que não estão na lista terão que recolher 26,5% do valor recebido. Imaginemos que, para atuar na tal obra, sejam chamados um arquiteto e um decorador e que cada um vá receber R$ 10 mil pelo trabalho. O arquiteto pagará R$ 1.860,00 de impostos e embolsará R$ 8.140,00; o decorador terá que recolher R$ 2.650,00 e ficará com R$ 7.350,00, R$ 790,00 a menos.

O governo pode alegar que apenas tenta regulamentar o que foi aprovado por senadores e deputados, mas não tem como deixar de fugir de sua responsabilidade. O tema é importante demais para ser tratado como um simples adendo à — robusta, importante e necessária — reforma no sistema tributário. O fato de a possibilidade de abatimento para determinadas categorias profissionais ter passado batida nas discussões das mudanças diz muito sobre o país e seus privilégios.

É o mesmo espírito que, na emenda aprovada pelo Congresso, prevê desconto de 60% na alíquota do imposto a ser pago por serviços privados de educação e saúde. A não concessão representaria um aumento pesado na carga tributária desses setores, mas a generosidade tem um custo, que será pago por todos nós, inclusive pelas famílias que dependem do SUS e que matriculam seus filhos na rede pública de educação — a reforma tributária mantém a tradição brasileira de tirar dos pobres para dar aos ricos. E, por falar em tradição: não perderá dinheiro quem apostar que a lista das 18 deverá engordar. O lobby já deve ter começado.