Por: Fernando Molica

São Jorge cansado de guerras

O fogo saído das bocas de dragões-fuzis posicionados no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, serviu para lancetar a esperança de paz e harmonia cultivada, ao longo da terça-feira, por fiéis de São Jorge.

Alguns deles tinham ido encerrar o dia de festas na quadra da Unidos de Vila Isabel, pertinho do morro e, na saída, foram lembrados pelos tiros que o Rio é um território onde, a qualquer momento, armas de guerra são acionadas e promovem um caos que prejudica, principalmente, os mais pobres.

É como se o Santo Guerreiro deixasse claro que não podemos jogar nas suas costas soluções para problemas impossíveis de serem totalmente barrados por sua armadura, inimigos que resistem aos golpes de sua lança. Nem com a ajuda do parceiro Ogum é possível vencer tamanha demanda.

A batalha entre facções no Macacos e a nova e rotineira operação policial no Complexo da Maré reforçam a comprovação da falência de uma lógica de segurança pública: trata-se apenas de um processo desenvolvido para mostrar algum serviço e manter tudo do jeito que está.

Só este ano, e até o último dia 18, as polícias fluminenses comunicaram ao Ministério Público estadual a realização de 13 operações no Complexo da Maré e, especificamente, em duas de suas favelas, Nova Holanda e Parque União, alvos da ação de ontem. Desde agosto de 2020, as duas comunidades foram cenário, em conjunto ou separadamente, de 58 incursões policiais relatadas ao MP. E nada mudou por lá.

Os objetivos são os de sempre, reprimir tráfico de drogas, coibir movimentação de criminosos, impedir roubos de veículos e de cargas, controlar a guerra de gangues rivais.

A repetição dos motivos reforça o fracasso das operações anteriores, demonstra a derrota constante do poder público, que, ao longo de décadas, não se cansa de tomar goleadas dos criminosos, e pouco muda a estratégia de jogo. A principal alternativa ao enxuga gelo das incursões foi o projeto das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, que naufragou pela ambição eleitoral e por falta de estrutura.

Segundo a polícia, a nova etapa da guerra no Macacos é consequência da disputa entre traficantes deste morro e os da quase vizinha Favela de São João, no Engenho Novo. Desde agosto de 2020, as duas comunidades foram, em conjunto ou separadamente, alvo de 42 operações policiais. 

A obsessão, não apenas no Rio, por ações que geram principalmente pânico, mortos e feridos — inclusive de policiais —, suspensão de aulas e interrupção de serviços como o atendimento médico não pode ser apenas resultado de uma leitura equivocada da segurança pública.

Demonstra também a dificuldade de elaboração de políticas estruturantes e integradas, que sufoquem o fluxo de dinheiro das organizações criminosas e cortem boa parte da logística que permite a chegada de armas, drogas e munição às favelas. Ações como a desencadeada em fevereiro pela Polícia Civil do Rio e o Ministério Público contra a movimentação financeira de milícias têm que ser mais frequentes, precisam se transformar em norma, não em exceção. 

É fundamental entender que a insistência no princípio da guerra serve apenas para aumentar a própria guerra, estimula a busca por armamento por parte de todos os envolvidos, aumenta o risco para a população, produz cenas que sabotam a atividade econômica do estado, particularmente o turismo. 

Claro que é importante garantir segurança em situações especiais como o Réveillon e o show da Madonna, eventos importantes para o Rio. Mas não podemos trabalhar pra sempre com a ideia de ilhas protegidas, só haverá um mínimo de tranquilidade se houver segurança para todos os cidadãos. São Jorge há de concordar, até ele está cansado de guerra.