Por: Fernando Molica

O relógio do fim do país

O fim do mundo ocorreria quando os ponteiros virtuais indicassem a meia-noite. Em momentos mais tranquilos, como em 1991, faltaram 17 minutos para chegarmos lá; em 2024, 90 segundos nos separam da grande e última explosão. | Foto: Divulgação

Os constantes choques do governo com Arthur Lira, a aprovação pelo Senado da emenda que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga, o fanatismo religioso, as fake news e a cumplicidade de autoridades com organizações criminosas revelam que uma versão brasileira do Relógio do Juízo Final indicaria que estamos a poucos segundos do fim.

O relógio, o Doomsday Clock, foi criado em 1947 por um grupo de cientistas e tinha, no início, o objetivo de medir a possibilidade de uma guerra nuclear. Depois, incorporou ao risco do apocalipse outros temas que ameaçam a humanidade, como mudanças climáticas, desinformação nas redes sociais, Inteligência Artificial e biossegurança. 

O fim do mundo ocorreria quando os ponteiros virtuais indicassem a meia-noite. Em momentos mais tranquilos, como em 1991, faltaram 17 minutos para chegarmos lá; em 2024, 90 segundos nos separam da grande e última explosão.

A adaptação do marcador para a nossa realidade mostra que não há como o Brasil se manter de pé diante do bombardeio contínuo e variado. Os perrengues entre o presidente da Câmara e de muitos deputados com o governo não têm a ver com uma disputa legítima baseada em diferenças relacionadas aos rumos do país, entre privatização e estatização ou entre aumento de arrecadação versus corte de despesas.

A bronca maior está na dificuldade para liberação de emendas parlamentares, a grana entregue a deputados e senadores para que eles invistam no que bem entenderem e aprovem os projetos dos governos. Isso retira autonomia do Executivo, favorece direcionamento de verbas de maneira nem sempre republicana e deturpa o papel dos que deveriam se concentrar na criação de leis.

Elaborada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para servir de resposta ao Supremo Tribunal Federal, a PEC das drogas é irresponsável, pega carona no oportunismo que surfa na irracionalidade religiosa, vai na direção contrária ao que vem sendo adotado em diversos países democráticos do mundo.

Se aprovada, instalará de vez a barbárie entre nós, vai propiciar o aumento de prisões desnecessárias, incentivará a corrupção policial e fortalecerá ainda mais o racismo — filhos e netos de senadores eventualmente flagrados não irão em cana, né?

Senadores têm o direito de protestar contra o que classificam de invasão de suas competências pelo STF, ainda que decisões mais polêmicas tomadas pela corte preencham vazios deixados por legisladores mais preocupados em garantir suas emendas. A peteca só foi parar no outro lado da Praça dos Três Poderes pela absoluta inoperância do Congresso.

Ministros do STF também têm uma parcela relevante de responsabilidade no estímulo ao tic-tac que nos encaminha para a falência da sociedade. Ao se deixarem contaminar pela política, geram insegurança, driblam suas próprias decisões, abrem mão até do direito de errar por último. A descontração com que alguns deles circulam pelo universo político também gera suspeitas em relação à imparcialidade com que deveriam exercer o cargo.

O oportunismo de políticos que estimularam o impeachment de Dilma Rousseff e concederam um poder gigantesco ao presidente da Câmara, o oba-oba com a Lava Jato, a corrupção suprapartidária e a cumplicidade de muitos com a tentativa de ruptura institucional de Jair Bolsonaro deram mais corda no relógio. 

Por muito pouco tudo não foi pelos ares no 8 de Janeiro. A correta reação dos poderes ameaçados pressionou o ponteiro dos minutos, que deu uma recuada. Mas ele está lá, inquieto, pronto para avançar umas casas e provocar as doze badaladas finais. Não custa lembrar aos que fingem ignorar a marcha do relógio que eles não serão poupados na hora fatal.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.