Por: Fernando Molica

O estica e puxa institucional

Alexandre de Moraes fala sobre o uso das redes sociais nas eleições | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A causa é meio perdida, mas não custa insistir como seria bom para o país se o Supremo Tribunal Federal e o Legislativo parassem com esse estica e puxa. Algo que lembra meninos que disputam centímetros de poder.

O STF e o Tribunal Superior Eleitoral exerceram um papel fundamental na manutenção de uma democracia alvejada por petardos disparados do Palácio do Planalto e por aliados do então presidente Jair Bolsonaro. O julgamento e a condenação dos que tentaram um golpe de Estado são decisivos para que o fantasma da intervenção militar seja de vez banido.

O ministro Alexandre de Moraes teve, em particular, uma atuação digna de ser aplaudida por muitos anos. Foi corajoso, incisivo, não se deixou constranger pelos que usavam e usam o santo nome da liberdade em vão, aqueles que tentaram apenas garantir a liberdade de oprimir os que com eles não concordavam.

O STF, porém, precisa se livrar do cachimbo que saiu torto da boca da Lava Jato, operação que ameaça permanecer por muito tempo como a característica do Judiciário nacional (obrigado, Joaquim Nabuco). Não dá para apenas inverter sinais e usar hoje armas semelhantes àquelas utilizadas pelos que transformaram a Justiça no caminho mais curto para a conquista do poder.

O bloqueio de contas em redes sociais foi correto no ápice de uma crise que ameaçou entornar o caldo institucional, mas não se justifica a colocação de uma mordaça eterna em pessoas não condenadas. Magistrados não podem usar a lógica do que o futebol classifica de "perigo de gol", o momento em que o juiz inventa uma falta para impedir o triunfo de um dos times.

É justo interditar o acesso às redes de um foragido como Allan dos Santos, que saiu do país para não ser preso. Afinal, suas falas já estariam bloqueadas caso ele estivesse na cadeia. Mas não faz sentido calar quem está livre, pessoas que exercem sua cidadania e que têm o direito de se manifestarem: que tenham suas prisões decretadas caso violem a lei, mas não dá pra punir com base numa expectativa de crime.

O Senado e a Câmara também precisam repensar a relação com o STF. É compreensível que senadores e deputados se irritem quando o Judiciário desrespeita a linha do impedimento institucional e, a pretexto de dirimir dúvidas constitucionais, exerce o papel de legislador.

Mas isso muitas vezes ocorre pela inércia do Legislativo que, por oportunismo, preguiça ou por razões pouco republicanas, deixa de cumprir com seu papel fundamental, o de propor e aprovar leis. Foi o imobilismo do Legislativo que obrigou o STF a equiparar a homofobia ao racismo, que deu a gestantes o direito de interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto. Ao, com a benção de Arthur Lira, inviabilizarem a necessária regulamentação das redes sociais, lançam outra bola para os 11 do time do STF.

Não cabe também aos deputados e senadores reagirem com uma provocação irresponsável — a proposta de emenda constitucional que criminaliza o porte de qualquer droga ilegal — à provável criação, pelo STF, de critérios para diferenciar traficante e usuário (se já tivessem cuidado disso de maneira sensata, os parlamentares se poupariam de acompanhar a história pela TV Justiça).

A fúria com que parlamentares avançam sobre o orçamento mostra que, na prática, a maioria dos integrantes das duas casas se importa menos com suas funções e mais com aquelas que, constitucionalmente, cabem ao Poder Executivo. Os que reclamam de invasão de poderes pelo Judiciário fazem o mesmo em relação a questões que são de alçada dos governantes. Um pouco de equilíbrio seria bom pra todo mundo — e não custa que cada um olhe para si e para seus gestos antes de reclamar do outro.

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