Por: Fernando Molica

Verdade não pode ser ocultada

Olsen condenou revogação do título para Maximiano da Fonseca | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Ao protestar contra a cassação, pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg), do título de doutor honoris causa concedido ao almirante Maximiano da Fonseca, ex-ministro da Marinha, o comando da Força reforçou, por linhas tortas, a necessidade de uma ampla abertura de arquivos militares sobre a ditadura.

A retirada do título honorífico aprovado em 1984 foi baseada em documento da Comissão Nacional da Verdade. Segundo o relatório, em abril de 1964, o então capitão-de-fragata Maximiano comandava um navio, Canopus, que serviu de prisão para um militar e 21 civis apontados como adversários do Golpe de 31 de Março. Um deles, Farydo Salomão, prefeito de Rio Grande, chegou a ser torturado.

Independentemente de méritos na carreira do almirante — ressaltados pela Marinha e reconhecidos pela Furg —, não é admissível homenagear quem tenha praticado ou permitido a tortura. Ao se negarem a reconhecer a barbárie promovida no pós-1964, as Forças Armadas forjam uma parceria com um passado que deveria ser desprezado. Os atuais chefes militares não têm qualquer responsabilidade pelo que houve nos porões da ditadura, mas insistem em não rever o papel de suas instituições em todo aquele processo.

Ao fazerem isso, respaldam crimes e projetam para o presente e para o futuro uma tolerância com tais práticas. Acabam assim mantendo manchas históricas que já deveriam ser removidas das fardas. Ao navegar pelo obscuro caminho da negação do passado, a Marinha mantém viva a suspeita que motivou a cassação do título do almirante Maximiano.

No documento em que expressa seu inconformismo, o comandante da Força, Marcos Sampaio Olsen, cita o trabalho do ex-ministro no estímulo à pesquisa oceânica, ao Programa Antártico Brasileiro, classifica o oficial de honrado e de progressista. Mas passa ao largo da acusação de que ele, de alguma forma, teve responsabilidade na tortura de um preso.

O almirante Olsen sabia da razão que levou a Furg a retirar a homenagem, mas a ignorou em seu protesto,  não a questionou, não defendeu a inocência de seu colega de farda e de patente. É como se gravíssima acusação de ocorrência de tortura não fosse relevante.

Segundo a CNV, o relato do uso do navio como prisão tem como base um documento da Força, o Livro do Navio, arquivado no Centro de Documentação Histórica da Marinha do Brasil. A tortura ao prefeito foi relatada no livro  "Centenário do Colégio Lemos Júnior", do jornalista Willy Cesar.

Em seu ofício dirigido à reitoria da Furg, Olsen classifica de "enviesada" a revogação da honraria. Mas ele mesmo agiu de forma não direta ao contornar o ponto que motivou a decisão da universidade. Ele tem como provar que é injusta a acusação feita ao almirante Maximiano? É possível mostrar que ele não teve qualquer responsabilidade, por ação ou omissão, na tortura aplicada no navio que estava sob sua responsabilidade? Então, que isso seja feito.

Ao se recusarem a encarar de forma adulta e compromissada com a verdade histórica o que ocorreu durante a ditadura, comandantes de hoje colaboram para lançar a pecha de torturadores sobre todos os militares que serviram naquele período, o que é muito injusto.

Em resposta à Marinha, o reitor da Furg, Danilo Giroldo foi ao ponto: enfatiza a disposição da universidade de "para receber elementos adicionais ainda não analisados ou não presentes em documentos oficiais públicos que afastem a responsabilidade do Almirante Maximiano dos fatos". 

O melhor que as FFAA podem fazer pela própria imagem e pela reputação de seus antigos integrantes é liberar todos os documentos relacionados à ditadura, reconhecer responsabilidades e, assim, ressaltar as inocências.  

 

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