Por: Fernando Molica

O X do problema de Xandão

X é o antigo twitter que agora está sob o domínio de Elon Musk | Foto: Divulgação

O ministro Alexandre de Moraes tem razão ao ficar indignado com as ameaças feitas por Elon Musk, dono do X, ex-Twitter. Mas errou ao tratar bravata como crime e ao não aguardar uma posição do Ministério Público.

É compreensível que, durante o mandato de Jair Bolsonaro, a passividade ativa do então procurador-geral da República, Augusto Aras, tenha obrigado o Supremo Tribunal Federal a ultrapassar algumas linhas. A necessidade de manter a democracia justificou medidas que, em tese, não deveriam ter partido da corte.

Aras ficou para trás, é apenas um retrato que, na parede da PGR, rememora ex-engavetadores-gerais da República — abriu disputa pelo nada honroso título que parecia ter sido garantido à eternidade por Geraldo Brindeiro, que primou pela omissão durante os governos de Fernando Henrique Cardoso.

Procurador-geral da República desde dezembro, Paulo Gonet não é um lançador de flechas como Rodrigo Janot, mas não pode ser acusado de fugir da raia. Caberia a ele ou a algum outro procurador provocar a Justiça caso avaliasse que Musk havia desrespeitado uma decisão do STF.

Como o próprio Moraes cita em sua decisão, o dono do X ameaçou liberar contas suspensas por ordens judiciais. Ao classificar o gesto de crime, o ministro do STF tomou o lugar do MP e jogou luz na passarela do bilionário, agora eleito seu rival oficial da vez.

Ao aceitar a provocação, o ministro mordeu a isca, reforçou os argumentos dos que lhe acusam de exagerar na dose e entrou numa briga de resultados imprevisíveis. No limite, diante do eventual descumprimento de suas decisões, Moraes teria que interditar o X no Brasil, o que jogaria o país num clube integrado por China, Mianmar, Irã, Coreia do Norte, Rússia e Turcomenistão. Melhor ficarmos longe dessas companhias.

As redes sociais representam um desafio novo, de difícil controle. Entram nos países sem passaporte, sem autorização, sem a necessidade de sede física ou de funcionários. São ao mesmo tempo capazes de seduzir e de assombrar; onipresentes, não têm um corpo capaz de ser ferido por tiros ou golpes.

Constituem-se num outro tipo de poder, não submisso a decisões de governo: podem, e mostraram isso no Brasil, dar voz e repercussão aos mais variados criminosos, como pedófilos, terroristas e golpistas. Valem-se de seu caráter ectoplasmático para escaparem de responsabilidades como as cobradas de veículos tradicionais de comunicação que são responsáveis pelo que publicam.

Como já mostraram democracias europeias, a discussão e a regulamentação das redes sociais são essenciais, é necessário criar mecanismos que impeçam crimes e abusos como a incitação ao ódio e suspendam os mecanismos que permitem às empresas decidirem que posts serão mais impulsionados.

Esse debate não pode ser confundido com censura — esta foi praticada durante a ditadura tão defendida por bolsonaristas, a começar pelo próprio Bolsonaro. Todos somos livres para falar e escrever, mas temos que arcar com as consequências de nossos gestos.

Rompantes como o praticado por Moraes em sua decisão assinada no último domingo colaboram para disseminar a confusão proposital entre regulamentação e censura, dão margem para que a lógica emocional se sobreponha à racionalidade exigida pelo tamanho desse novo desafio.

Musk, como é de seu feitio, comporta-se de maneira irresponsável e desafiadora. Ele precisa ser levado a sério e encarado com muito cuidado. Mas o Estado brasileiro, em particular, seu sistema judiciário, não pode cair em provocações, não pode fazer o jogo de quem o chama para uma briga de rua. Essa luta não se esgota em 280 caracteres.