Por: Fernando Molica

Liberdade privatizada pelas redes

Elon Musk é um dos empresários entusiastas do IA | Foto: Divulgação

Você notou que quase nunca recebe, nas redes sociais, mensagens contra seu time de futebol? Não é coincidência, mas uma manipulação tão evidente quanto a que lhe direciona posts de viés político que reforçam o que você pensa sobre o mundo. 

Tudo por obra e graça dos tais algoritmos que mandam no Facebook, Instagram e X ( o ex-Twitter). Longe de servirem para ampliar o leque de visões, são programados para fazer com que tratemos de consumir mais produtos, serviços e ideias que preferimos.

O objetivo é fazer com que o usuário seja mais radical na defesa do seu time, do seu partido político, de suas preferências alimentares, religiosas, o que for. Seria ilusório pensar que algoritmos não são programados para enfatizar e divulgar visões de mundo mais adequadas às preferências dos donos das redes.

A lógica de entupir o consumidor com o que ele quer arrebentou com a visão romântica dos que viam na internet um instrumento de ampliação do conhecimento. Havia a ideia de que os horizontes seriam ampliados, cada um saberia das razões do outro, o que favoreceria o diálogo, o entendimento entre os que pensam de forma diferente. 

Evidentemente que somos livres para apurarmos informações sobre o que bem entendermos, nada impede um petista de buscar dados sobre bolsonaristas; e vice-versa. Mas o perigo não mora no que buscamos, ainda que mecanismos de busca façam uma hierarquização de respostas.

O problema está naquilo que recebemos sem pedir, de maneira automática. Exemplo pessoal: traumatizado pelo fiasco do Botafogo no último Brasileiro, resolvi diminuir a quantidade de informações sobre o clube que recebia via X. Descobri então que não havia decidido seguir muitos daqueles que postavam sobre meu time — o cardápio alvinegro me havia sido imposto pelos computadores programados pelos funcionários do Elon Musk.

O direcionamento parte de um princípio comercial, o de oferecer produtos e serviços que correspondam aos desejos e capacidade de compra de cada cliente: veganos não recebem anúncios e postagens sobre churrascos. Mas o mesmo mecanismo de filtragem foi aplicado na política. E foi aí que a Terra começou a ficar plana; e a extrema direita mundial tem o mérito de ter entendido primeiro que curvas poderiam ser apresentadas como retas.

Um outro exemplo: por aqui, quem não gostava da esquerda e não rejeitava de todo aquele ex-capitão do Exército começou a ser inundado de mensagens bolsonaristas e antipetistas.  Posts numa variedade e numa quantidade que faziam o destinatário se convencer de que praticamente todo mundo pensava como ele. Isso servia para ampliar e reiterar amores e, principalmente, ódios. Era tanta gente repetindo o mesmo conteúdo que não havia como duvidar do que estava escrito ou dito, nem mesmo as mais delirantes mentiras. Acreditava-se no que se queria acreditar, na fé compartilhada por um mesmo grupo.

Baseadas em tudo que escrevemos, comentamos ou curtimos, as redes sociais fazem uma espécie de jornal particular, um para cada um de nós. Isso aumenta nosso engajamento, desperta nossa vontade de consumir o que nos é entregue, mas, ao mesmo tempo, dificulta nossa possibilidade de conhecer o diferente, de ampliarmos nossas visões, de compreendermos quem pensa diferente. A raiva aumenta a adesão às redes, aumenta seus lucros.

Liberdade faz uma necessária rima com diversidade. É incompatível com a entrega de um cheque em branco para um grupo limitado de pessoas para que estas decidam o que nos será informado. Em suas bravatas contra o Supremo Tribunal Federal, Musk defende apenas sua liberdade de nos impor o que bem entende, sem qualquer responsabilidade pelo conteúdo, sem compromisso com os fatos — um veículo de comunicação também é responsável pelo que publica, isso tem que valer para as redes sociais.

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