Por: Fernando Molica

Chutômetro nos aposentados

Presidente do STF confirmou presença nas Campeãs | Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Ao classificar como fruto de um "chutômetro" o custo para os cofres públicos da aprovação da revisão da vida toda, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, deu ao Supremo Tribunal Federal a chance de corrigir decisão que contradiz o que já havia sacramentado. Mais: ressalta o viés político-administrativo de julgamento do STF.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Lupi disse não haver base para o Tesouro Nacional afirmar que a revisão geraria um buraco de R$ 480 bilhões: o valor corresponde praticamente à metade do que a União gastou, em 2023, com todos os aposentados e pensionistas, do INSS e do serviço público. Nem Rivellino, Marinho Chagas e Nelinho chutariam com tamanha força.

Aposentados que pleiteiam a revisão da vida toda querem o reconhecimento, para efeitos de cálculo de suas aposentadorias, dos valores de suas contribuições anteriores a julho de 1994. A reforma de 1999 meteu a mão na bola ao definir que tais pagamentos, feitos antes do Plano Real, não serviriam para o cálculo do benefício.

Imagine o leitor o caso de contribuintes que, antes de 1994, tenham recebido bons salários, contribuído para a Previdência com o valor máximo admitido. Vai que, nos anos seguintes, esses cidadãos tenham amargado reduções em seus vencimentos, o que se refletiu em suas contribuições ao INSS: pela regra vigente, na hora de definição de suas aposentadorias, apenas as vacas magras são levadas em conta; as gordas viraram churrasco.

Em dezembro de 2022, o STF reconheceu o direito de segurados reivindicarem o uso das contribuições anteriores a 1994 para revisão de suas aposentadorias. Sete meses depois, o ministro Alexandre de Moraes atendeu a um pedido do INSS, tocou a bola pro lado e suspendeu a tramitação de processos que pediam a aplicação da decisão. De lá pra cá, o governo tratou de fazer campanha contra a concessão do direito, e ressaltou o chute de R$ 480 bilhões.

No fim do mês passado, o STF deu uma cambalhota na própria decisão de 2022. Ao julgar outros processos, deu um jeito de desdizer o que julgara, considerou correta a premissa que, por vias indiretas, transforma em inaplicável a revisão da vida toda. Utilizou o VAR para traçar linhas curvas, e não retas.

Neste outro julgamento foi legitimada a escalação de jogador que, por suas características políticas, só poderia entrar em campo em partidas disputadas nos poderes Executivo e Legislativo. Com o número R$ 480 bi pregado às costas, catimbou o jogo, forçou faltas, fingiu levar cotoveladas, e ganhou a peleja no grito.

Segundo declarações publicadas em jornais, o ministro Luís Roberto Barroso justificou sua posição contrária ao direito antes reconhecido pela corte com a necessidade de "zelar pela integridade do sistema". Como guardião da Constituição, cabe ao STF zelar pelo sistema jurídico-institucional, não pela saúde das contas do governo, ainda mais quando este apresenta dados questionáveis. 

Em outubro de 2023, o mesmo Barroso não demonstrou tamanho zelo ao, na presidência do Conselho Nacional de Justiça, defender proposta — que seria aprovada por unanimidade — que permite até dez folgas adicionais para magistrados. Quem não gozá-las poderá receber compensação em dinheiro. 

Pior é quando o próprio ministro da Previdência desclassifica as premissas levadas em conta na decisão do STF. Agora,  a corte ainda vai analisar recurso da União contra o julgamento anterior, definirá o que fazer com as pessoas que já haviam recebido aposentadorias corrigidas. Terá uma boa oportunidade para corrigir a injustiça cometida no mês passado: será uma oportunidade única para deixar de tocar a bola alheia e assim demonstrar cuidado com o próprio jogo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.