Por: Fernando Molica

Ajuda involuntária de Maduro

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao proibir outra candidata de oposição à Presidência, a professora Corina Yoris, a ditadura venezuelana quebrou um galho para Lula. Deu ao governo brasileiro uma nova chance para condenar o regime de Nicolás Maduro. O Planalto, desta vez, não errou o chute.

A nota do Ministério das Relações Exteriores brasileiro nem é tão dura, fala que o país acompanha com "expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" na Venezuela. Mas a resposta venezuelana indica que o Itamaraty acertou, mostrou que ficou inviável para Lula fingir que tudo ia bem com o vizinho.

A crise venezuelana é outra boa chance para o presidente brasileiro entender que o mundo mudou, especialmente depois da ascensão, em diversos países, de uma extrema direita que politiza tudo, do céu ao inferno, passando por toda Terra, esférica ou plana.

Foi-se o tempo em que trocar afagos com Fidel Castro gerava aplausos na esquerda e protestos limitados na direita. Sempre alguém ressaltava o caráter ditatorial do regime cubano, a repressão, a censura, os presos políticos. Nada, porém, que abalasse o Planalto, a troca de brindes e charutos com el comandante en jefe era vista com um certo viés folclórico. Até figuras clássicas da direita, como o governador baiano Antônio Carlos Magalhães, tiravam sua casquinha com Fidel, isso servia para demonstrar tolerância com quem pensava e agia de forma tão diferente.

Temas relacionados à política externa costumavam dar pouquíssimo ibope, o que fazia sentido num país sem problemas de fronteiras, de tradição pacífica em relação a outras nações e que não tinha lá muita importância no contexto internacional.

Mas isso foi mudando. O viés religioso adotado pela extrema direita cristã facilitou a disseminação da lógica do bem contra o mal, de virtude e pecado, de ou isso ou aquilo; deixou menos margem para manobras de políticos como o atual presidente, que desde os tempos de sindicalista trabalhou na lógica do Lula lá e cá.

A grita em torno do financiamento do Porto de Mariel pelo BNDES foi um sinal de mudança — em outros tempos, a operação entraria no rol daquelas suspeitas eternas, no foi não-foi, dificilmente chegaria à mesa de bar ou à sala de descanso dos obreiros. As trocas de Fidel por Raúl Castro e de Hugo Chávez por Maduro também não ajudaram: os substitutos não tinham nem uma ponta do charme de seus antecessores.

A questão religiosa foi decisiva para a mudança de status da imagem de Israel entre nós e para o foco em questões relacionadas ao Oriente Médio. Em 1975, durante a ditadura, o Brasil presidido pelo general Ernesto Geisel votou favoravelmente à resolução da ONU que considerava o sionismo uma forma de racismo.

Houve protestos por aqui, editoriais contra, mas não rolou uma mobilização política, social e religiosa que fosse muito além dos limites da comunidade judaica (o contexto também impedia a organização de atos públicos).

Hoje, graças, principalmente, à identidade construída entre Israel e setores mais conservadores do cristianismo, haveria um terremoto se o governo demonstrasse simpatia em relação a uma medida que, como o voto na ONU, condenasse algo muito mais profundo que a crítica pesada ao governo israelense.

O susto que as pesquisas deram em Lula ao mostrarem a queda na queda da sua popularidade devem ter servido também para ele notar que sua capacidade de encantar até serpentes já não é mais a mesma, seus truques já não são tão eficientes, até porque houve muitas mudanças no público.

Criticar autocratas de direita e aliviar os de esquerda já não é mais válido. Sem querer, Maduro, ao reafirmar o caráter de seu governo, deu uma ótima oportunidade para Lula rever algumas de suas certezas — que a autocrítica não pare por aí.

 

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