Por: Fernando Molica

Bolsonaro e o batom na casaca do embaixador húngaro

Jair Bolsonaro cumprimenta primeiro-ministro Viktor Orbán em visita oficial à Hungria, em 2022. | Foto: Alan Santos/PR

Jair Bolsonaro tem, como qualquer pessoa, o direito de tentar não ir pra cadeia — mas não pode nos chamar de burros. A nota divulgada por seus advogados para explicar seus pernoites na embaixada da Hungria lembra a tentativa de justificar marca de batom em peça íntima do vestuário masculino. No caso dele, a marca ficou grudada na casaca virtual do seu anfitrião.

Dizer que, quatro dias depois da apreensão de seu passaporte, ele foi dormir duas noites na representação diplomática para "para manter contatos com autoridades do país amigo" é risível. Pior, e peço aqui todas as vênias à dona Michelle: que tipo de contato ele teria ido lá manter?

Imagine, leitora/leitor, que seu/sua, como diria Sérgio Moro, "conje" dormisse duas noites fora de casa e, no terceiro dia, aparecesse, de cara lavada, dizendo que tinha ido conversar com amigos, tratar de temas relativos às suas atividades profissionais. 

Até pelas ligações de Bolsonaro com o governo de extrema direita de Viktor Orbán é mais do que razoável supor que ele foi até a embaixada pedir asilo diante de um risco iminente de prisão. Se fosse apenas para consultar os diplomatas sobre essa possibilidade, não precisaria ter dormido lá.

É até inacreditável que o ex-presidente tenha achado que sua escapulida não seria notada, que não haveria, entre funcionários da embaixada, pelo menos um que não viesse a dar com a língua nos dentes. Mas já que as imagens foram divulgadas, seria bom o ex-presidente dar uma cobrada no amigo Orbán: como é que aquele material foi parar nas mãos do New York Times? Isso foi fruto de espionagem americana?

É quase impossível imaginar que essas imagens não sejam alvo de vigilância e controle. O que se passa numa embaixada é algo que afeta a segurança de um país, ainda mais no caso de um governo autoritário como o húngaro.

Não dá pra pensar que qualquer funcionário da empresa de segurança que cuida da representação tenha acesso irrestrito àquele material. Qualquer embaixada é repleta de uns caras de funções oficialmente indefinidas, que estão ali para espionar o país onde vivem e a movimentação dos diplomatas de outras nações.

Não é nada absurdo conceber que, no seu encontro com Orbán na Argentina, na posse de Javier Milei, Bolsonaro tenha sondado o amigo sobre a possibilidade de escapar para a Hungria em caso de risco de prisão. Parafraseando Chico Buarque já no primeiro capítulo de seu melhor romance, o ex-presidente iria dar em Budapeste graças a um exílio imprevisto.

Dá até pra imaginar que Orbán, naquela única língua que o diabo respeita, tenha dito algo como "Partiu, Jair!". Mas será mesmo que o primeiro-ministro da Hungria estaria assim tão animado com a possibilidade de abrigar um exilado tão controvertido, que desperta admiração de muita gente, mas que também é odiado por tantos?

No exílio, além de ficar longe das grades, Bolsonaro reforçaria a ideia de perseguição política. Seria ótimo pra ele, mas meio complicado para Orbán. E se o governo brasileiro imitasse o que o Reino Unido fez com Julian Assange e não desse autorização para o ex-presidente deixar a representação rumo ao aeroporto? O fundador do site Wikileaks ficou sete anos mofando na embaixada equatoriana em Londres até que o governo do país sul-americano decidisse despejá-lo. A vizinhança da representação húngara em Brasília abrigaria um remake das manifestações de porta de quartel. Orbán já tem problemas suficientes.  

Ao pernoitar na embaixada, Bolsonaro deu mais um motivo para uma eventual prisão e queimou a largada, agora todo mundo já sabe o que ele pretendia fazer. Ficou mais difícil não ter que encarar eventuais derrotas no Supremo Tribunal Federal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.