Por: Fernando Molica

Marcas nos brasões do crime

Domingos Brazão é suspeito de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, seu irmão Chiquinho também é acusado do mesmo crime. | Foto: Divulgação

Os muitos vídeos e fotos que mostram integrantes da família Brazão apoiando políticos de diversas tendências e sendo por eles respaldados ilustram o tamanho da promiscuidade entre supostos criminosos e a representação institucional no Estado do Rio.

Algumas imagens indicam cumplicidade; outras, apenas oportunismo eleitoral — todas demonstram a irresponsabilidade de agentes públicos que jamais poderiam ignorar o que, há muitos anos, a família representa na vida carioca, independentemente do caso Marielle Franco.

Domingos e João Francisco Inácio Brazão são exemplos quase caricaturais de uma prática política em que uma mão não lava a outra. A exemplo de tantos outros, obtiveram seus mandatos parlamentares graças ao domínio exercido em suas comunidades, prática quase sempre respaldada por policiais.

Empossados, esses políticos transformam suas cadeiras no legislativo em capital na negociação de cargos, vantagens e contratos. Os votos que lhes serviram de passaporte viram ouro às vésperas de eleições para cargos executivos.

Alguns governantes colocam de bom grado seus nomes nos brasões desses políticos, com eles compartilham semelhanças e negócios. Outros fazem aliança de maneira meio envergonhada, alegam que não há outra saída, que precisam ganhar eleições, que a política exige concessões.

Em 2015, Domingos Brazão recebeu 61 de 66 votos de deputados estaduais para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Contou com apoio de PMDB, PT, PSL, SDD, PR, PRB, PMN, PPS, PP, PTN, PCdoB, PSDB, PSD, PDT, PSDC, PHS, PSB; os quatro deputados do Psol escolheram em outro candidato, um parlamentar votou em si.

A escolha de Brazão ocorreu sete anos depois de a CPI das Milícias, da mesma Assembleia Legislativa, incluir, no seu relatório final, seu nome e o de seu irmão João Francisco, o Chiquinho. Suas excelências não podiam alegar que não sabiam o que estavam fazendo. 

É compreensível que, numa disputa eleitoral acirrada, candidatos façam vista grossa para um ou outro apoio, mas é fundamental que sejam criados parâmetros mínimos para esses acordos.

Ao aceitarem apoios de políticos como os dois irmãos Brazão, agora presos pela morte de Marielle e de Anderson Gomes, lideranças atestam seus métodos, legitimam suas práticas, aceitam a forma pela qual eles construíram suas carreiras. Mais, incentivam a criminalidade que tanto dizem combater.

Não adianta um governo investir na segurança pública se, ao mesmo tempo, demonstra afinidades com chefes de quadrilhas poderosas. O relatório da Polícia Federal é explícito ao dizer que a família Brazão tinha poder de nomear comandantes de batalhões da PM e titulares de delegacias policiais.  

O que foi escrito no relatório ainda precisará passar pelos crivos do Ministério Público e da Justiça, haverá novas investigações, acréscimos e retirada de nomes. Mas há ali um diagnóstico amplo da corrosão da estrutura estatal, resultado direto de uma já histórica conivência nefasta de autoridades com bandidos e que afeta a vida fluminense como um todo: como confiar numa polícia cujo ex-chefe é suspeito de cumplicidade com supostos assassinos de uma vereadora, de atrapalhar investigações? Não é o primeiro ex-ocupante do cargo a ter contra si acusações pesadas.

O documento também liga os pontos ao afirmar que os que mais se locupletam da guerra civil brasileira que tanto mancha o brasão pátrio são "atores políticos e seus agentes estatais". É simples: esse jeito de fazer política corroeu em boa parte as instituições políticas do Rio e, com variações, as de outros estados, reflete-se na estrutura federal e ameaça a própria existência do país.

 

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