Por: Fernando Molica

PMs presos e cumplicidade social

Na foto, o bicheiro Rogério de Andrade. O jogo do bicho e as maquininhas de apostas são um exemplo clássico da sociedade entre bandidos, policiais, parlamentares e governantes. | Foto: Divulgação

A prisão de 18 PMs acusados de prestarem serviços para o bicheiro Rogério de Andrade reforça a estupidez e o oportunismo dos que associam melhorias na segurança pública à concessão de licença para matar aos policiais. Em qualquer lugar do mundo, polícia violenta e sem controle é sinônimo de polícia corrupta.

É compreensível que, vítima da violência cotidiana, boa parte da população acredite em soluções imediatas e simples, aprove que policiais matem quem considerem que mereça ser morto. Isso apenas reforça a criminalidade que inferniza o cidadão e incentiva a parceria entre setores da polícia com a criminalidade.

O jogo do bicho e as maquininhas de apostas são um exemplo clássico da sociedade entre bandidos, policiais, parlamentares e governantes. Contraventores jamais teriam conquistado tanto poder e dinheiro se não tivessem ligações com setores institucionais.

O caráter de loteria popular deu ao bicho um viés de aceitação que, ao longo do tempo, legitimou sua prática e gerou uma certa aceitação social à corrupção inerente à tolerância com uma atividade ilegal. Mais, abriu caminho para um processo de convivência que contaminou uma parcela significativa da polícia fluminense. Um fenômeno que, com gradações, está presente nos outros estados, e que ganhou proporções praticamente incontroláveis com o tráfico de drogas e de armas.

Ao gritar "Mata!" para um policial, o cidadão autoriza também que o agente escolha suas vítimas, negocie com seus alvos e, assim, determine quem vai morrer e quem vai ficar vivo. Os que negociam e escapam renovam uma lucrativa concessão para agir.

Atuar como segurança de um bandido poderoso não significa apenas impedir que ele seja alvo de atentados, não é como fazer um bico para o comerciante da esquina. Quem vira parceiro de Rogério de Andrade torna-se inimigo do estado, cúmplice de um homem acusado de uma série de outros crimes, inclusive homicídios.

É necessário fortalecer a independência das polícias. O Ministério Público — responsável pelo controle externo da atividade policial — deveria fazer mais investigações e operações como a deflagrada esta semana. Mas o trabalho de punição de criminosos que agem protegidos pelo Estado será muito difícil enquanto muita gente continuar a legitimar essas ações a votar em políticos que propagam o que chamam de "cancelamento de CPFs". 

O nó da segurança pública é dificílimo de ser desatado, o problema envolve desigualdade social, falta de esperança, ineficiência do Estado, impunidade, opções por prioridades equivocadas, como a obsessão em prender jovens desarmados com pequenas quantidades de drogas.

Mas nada será minimamente equacionado se não houver uma mudança radical no combate à corrupção disseminada nas polícias e incentivada por outros setores estatais. Nada facilita mais corrupção e desvios do que a certeza de impunidade, quem se sente livre para matar sabe que pode cometer qualquer outro crime e escapar da Justiça.

Na lista de presos está um subtenente que, em 2015, foi o policial militar que mais disparou tiros no estado, 606. Em depoimento, disse que todos foram para atingir bandidos. Há entre os alvos do MP homens envolvidos em mortes de crianças em operações policiais e um sargento que matou um cidadão ao confundir com fuzil o macaco hidráulico que ele carregava. Todos agora acusados de trabalhar para Andrade.

Não basta balançar a cabeça em sinal de reprovação ao saber da cumplicidade entre policiais e um dos mais poderosos chefes do submundo carioca. Eles só fizeram o que fizeram — mataram inocentes, prestaram serviços para um contraventor — porque se sentiram seguros, legitimados pela sociedade. 

 

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