Por: Fernando Molica

A conta da fé não é pública

Quem é que paga a conta da fé? Somos todos nós. | Foto: Agência Brasil

Perdão, leitor/leitora por chover no molhado, mas vale lembrar: 1. quem banca isenções de impostos não é o governo, somos nós; 2. o dinheiro que não é pago pelos beneficiados pelas caridades fiscais é reposto também por todos nós.

Quando políticos evangélicos praticamente obrigam o governo a fazer mais concessões fiscais para instituições religiosas eles jogam a conta para todos, inclusive para ateus, candomblecistas e, mesmo, evangélicos (a maioria frequenta igrejas pequenas, que não têm obras e serviços que serão beneficiados).

Governos podem conceder isenções para estimular esse ou aquele setor, ainda que no Brasil essas benesses cheguem a patamares absurdos pior, costumam fazer carinho nos de sempre (Zona Franca de Manaus, agronegócio, empresas registradas no Simples, entidades beneficentes donas de universidades e hospitais privados e todos que descontam despesas médicas no imposto de renda).

É razoável também que governos decidam usar benefícios para incentivar entidades sem fins lucrativos que prestam serviços sociais. Há, porém uma questão fundamental: um Estado laico tem a obrigação de garantir a liberdade religiosa, ponto essencial numa democracia. Mas não deveria financiar, direta ou indiretamente, atividades que façam algum tipo de proselitismo religioso.

Não se pode usar dinheiro de todos para que alguns (ou muitos, que seja) digam que o verdadeiro deus é tal ou qual. Todos têm o direito de propagar a sua fé, de buscar salvar almas, de intermediar supostos milagres, desde que façam isso com recursos de suas próprias comunidades religiosas.

Não faz sentido que um adepto da umbanda — um cidadão como qualquer outro — ajude a financiar uma determinada denominação religiosa (importante não generalizar) que incentiva a intolerância contra sua fé.

O mais grave na proposta que está sendo negociada com o governo é uma isenção fiscal para as comunidades terapêuticas, instituições de viés religioso, quase sempre ligadas a igrejas evangélicas, que têm o objetivo de recuperar dependentes de drogas, inclusive alcoólatras.

Com as devidas exceções, essas comunidades fazem um trabalho pra lá de questionável, são inúmeras as denúncias de irregularidades em suas atividades: problemas que vão da imposição religiosa à ausência de profissionais da área médica devidamente qualificados.

Pode-se alegar — e alega-se — que elas ocupam um vazio estatal, que são, na maior parte das vezes, a única alternativa para pessoas e famílias que não dispõem de recursos para o pagamento de caríssimas clínicas especializadas.

É fato que governos patinam também nessa questão. Um país que sequer consegue debater de maneira adulta o consumo recreativo de drogas ilícitas, demonstra absoluta incapacidade de lidar com as consequências, não raras vezes terríveis, da dependência química — inclusive em relação ao álcool, de longe, a que mais causa danos sociais. Mas o Brasil não pode terceirizar o tratamento de forma tão sem controle.

Mesmo que venham a ser ampliadas, as isenções a instituições religiosas são bem menores que as concedidas a outros setores da vida nacional, mas isso não impede que também sejam questionadas.

Da mesma forma que o Estado não pode se meter na individualidade de cada um de nós, o que inclui nossa relação com o sagrado, a fé não deve ser subsidiada pelo conjunto da população Sabe aquela história de dar a César o que é dele? Pois é, esse dinheiro é nosso.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.