Por: Fernando Molica

O golpe não foi surpresa

Ex-comandante do Exército, General Freire Gomes, confirma reunião com Bolsonaro sobre golpe. | Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica são chocantes, mas nenhum brasileiro tem o direito de alegar surpresa diante da tentativa de golpe protagonizada por Jair Bolsonaro. Uma virada de mesa para mudar o resultado de eleições que foram limpas, como o próprio entorno do então presidente admitia.

Quem apoiou suas candidaturas à Presidência e deu sustentação ao seu governo sabia onde estava se metendo. Os que até hoje o defendem, mesmo diante das evidências, reafirmam assim seu descompromisso com a democracia e com a disposição de apoiar um golpe que, não haveria outro jeito, seria seguido de uma nova ditadura.

Em 2018, muitos, para justificar a adesão ao bolsonarismo, apelavam para um paradoxo: afirmavam que, no Planalto, o ex-capitão seria contido, obrigado a agir de maneira mais moderada. Como se torcessem para que ele não cumprisse seus compromissos de vida e de campanha. Bolsonaro não traiu Bolsonaro, ele procurou colocar em prática a intenção, revelada em 1999, de dar um golpe caso chegasse à Presidência. Na mesma ocasião, uma entrevista, defendera a tortura.

Os detalhes da conspiração golpista revelam que até o propalado respeito às tais quatro linhas da Constituição tinha viés golpista: queria usar o Estado de Defesa, previsto na Carta, para desmontar o Estado de Direito.

O balaio de cúmplices do golpismo inclui milhões e milhões de brasileiros, cidadãos comuns, políticos profissionais e militares — e, aqui, não se pode falar apenas daqueles até agora citados nas investigações. Ao interrogar ex-comandantes militares, a Polícia Federal mencionou reuniões de viés conspiratório promovidas por outros oficiais no fim de 2022.

Muitos oficiais, funcionários públicos fardados optaram por esquecer que, no Exército, Bolsonaro atentou seguidas vezes contra a instituição ao desrespeitar a hierarquia, base da estrutura militar. Isso, sem falar do plano de explodir bombas em quartéis: pela trama, o então capitão chegou a ser condenado e, depois, absolvido em instância superior num julgamento que até hoje gera questionamentos.

O ovo da serpente golpista foi gerado e chocado por pelo menos uma década. Estava presente em manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff na forma de fantasias, alegorias e adereços que pediam a volta dos militares ao poder. Na época, esses extremistas foram minimizados, tratados como folclóricas exceções à regra. O descontentamento dos comandantes militares com a Comissão da Verdade foi registrado, mas também visto como manifestação pontual, não como como ato de inconformismo em relação ao poder civil.

A corrupção em governos petistas — que não pode ser negada, mas que não inaugurou a roubalheira no país — serviu de justificativa para a complacência com os abusos da Lava Jato, para o endeusamento de figuras como os já então militantes políticos Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

Muitos detentores de mandatos não vacilaram em pegar carona na onda bolsonarista, mesmo sabendo dos riscos que isso representava para a democracia brasileira. Da mesma forma que antecessores civis fizeram em 1964, mandaram às favas eventuais escrúpulos de consciência para abraçar quem cultuava a ditadura e chegara a elogiar um torturador no plenário da Câmara.

Bolsonaro, o mesmo que defendera colocar no pau de arara depoente que ficasse calado numa CPI, optou pelo silêncio na PF. Sua mudez vai aos poucos sendo preenchida por depoimentos insuspeitos, como de ex-subordinados militares. O Brasil não pode perder a chance de condenar e prender os que conspiraram contra o país. Só assim, talvez, futuras vivandeiras de quartéis e de palácios pensem duas vezes antes de embarcarem em outra aventura golpista.

 

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