Por: Fernando Molica

'Zucas' e a Síndrome de Lisboa

Partido de extrema-direita arremata Portugal vencendo as eleições no último final de semana | Foto: Foto: fundador do partido - Pedro Rocha / Perfil Brasil

Os brasileiros que em Portugal fizeram campanha para o Chega, de extrema direita, criaram o que poderia ser chamado de Síndrome de Lisboa, variação da Síndrome de Estocolmo, relação de simpatia de um cativo com seus algozes — no caso, com o partido que repudia os imigrantes.  

Talvez por se julgarem acima dos outros estrangeiros que vão para a Europa em busca de uma vida melhor, acham-se tão incorporados à vida portuguesa que não se consideram mais imigrantes — estes, seriam apenas os outros, os mais pobres. Colaboram assim com aqueles que, por princípio, os detestam. Alimentam a cobra que haverá de picá-los.

A perseguição aos imigrantes é um das consequências mais irônicas da tragédia do colonialismo. O tamanho do problema enfrentado hoje por tantos países seria bem menor caso, séculos atrás, seus antepassados não tivessem invadido, dominado, saqueado e exterminado tantos povos em outros continentes.

Fortalecido na eleição portuguesa, o Chega — que quadruplicou sua bancada no Parlamento — teria menos motivos para vociferar contra a presença de estrangeiros em seu país caso Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros não tivessem, a mando do rei de plantão, aberto caminho para a pilhagem de outras nações.

Pode-se argumentar que a atual geração portuguesa não deve ser responsabilizada pelo passado, mas é preciso lembrar que muito do bem-estar de cada cidadão de uma ex-potência colonial se deve ao que foi acumulado por seus antepassados: o ouro arrancado daqui ainda resplandece em muitas igrejas de Portugal.

Não se pode jogar nas costas dos antigos colonizadores a responsabilidade por equacionar todos problemas das populações de países que por eles foram explorados. Mas não se deve também ignorar uma relação de causa e efeito, tanto nos benefícios gerados para as potências, quando nos prejuízos econômicos e morais causados aos saqueados.

Puxado para o mundo desenvolvido em boa parte graças aos generosos créditos da União Europeia, Portugal ocupa um território pequeno e tem apenas dez milhões de habitantes, sua capacidade de receber estrangeiros é, portanto, limitada: fala-se que, por lá, 5% da população já é composta por brasileiros.

Mas não será com ameaças e ofensas que soluções serão ao menos encaminhadas. A Europa tem dívidas acumuladas com suas ex-colônias, não pode ignorar sua responsabilidade por cada embarcação precária que tenta cruzar o Mediterrâneo carregada de miséria e de esperança.

A grande maioria daquelas pessoas só está ali porque boa parte da riqueza de seus territórios foi roubada pelos colonizadores. Os desastrados arranjos políticos e econômicos cometidos por países europeus em territórios alheios estimularam guerras e matanças e potencializaram a escravidão. As linhas retas que delimitam tantos países africanos mostram o tamanho do estrago feito no trabalho de traçar fronteiras sem que fossem levadas em conta as particularidades locais. 

A ida de tantos brasileiros para Portugal revela também nossa incapacidade de resolver problemas de educação, saneamento, saúde e segurança, temas que ressaltam nossas desigualdades e que precisamos solucionar.

Mas chega a ser risível que muitos dos que deixaram o Brasil resolvam, por lá, incentivar a lógica de exclusão que tanto marca nosso país. Identificam-se em Portugal com o que temos de pior por aqui. Na ânsia de fingir que são locais, demonstram esquecer que nunca deixarão de ser "zucas", forma pejorativa de "brazucas". 

 

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