Por: Fernando Molica

O BBB que contamina o Congresso Nacional

Nikolas Ferreira, escolha polêmica para Comissão de Educação | Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A eleição do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) para a Comissão de Educação da Câmara é mais uma evidência da tentativa do bolsonarismo de deslegitimar o Congresso Nacional, de destruir a credibilidade que lhe resta — um atalho até para favorecer seu eventual fechamento.

Como disse à coluna Bastidores um importante integrante do PL, a indicação do parlamentar foi para "causar", ou seja, provocar, criar uma polêmica. É mais uma tentativa de substituir a discussão política por cenas de picadeiro que geram likes, curtidas e gritos da plateia.

Eleitos pela população — e Nikolas foi o deputado mais votado do país —, os deputados da direita e da extrema direita têm o óbvio direito, e mesmo a obrigação, de brigar contra teses da esquerda. É justo que exponham suas críticas ao MST, ao viés estatizante do governo, a um aumento da carga tributária, à demarcação de terras indígenas, à descriminalização das drogas e do aborto. Podem defender a não regulamentação da internet e do trabalho de motoristas de aplicativos e de entregadores de comida.

São temas que fazem parte da direita internacional, relacionados à defesa do liberalismo e ao ataque ao apetite estatal. É mais do que razoável que correntes de pensamento conservador queiram incentivar o empreendedorismo e a iniciativa individual. Essa discussão é necessária até mesmo para arejar e questionar dogmas da esquerda.

Na Educação, é razoável que se discuta o modelo de não pagamento de mensalidades em universidades públicas (ainda que hoje a maioria dos alunos seja pobre ou de classe média baixa), homeschooling, a possibilidade de concessão de vouchers para que crianças e jovens estudem em escolas particulares. Vale também levantar temas relacionados ao Plano Nacional de Educação — pauta desprezada pela direita ao longo dos anos — e, mesmo, a um eventual predomínio de de abordagens à esquerda em questões curriculares.

O problema é que Nikolas e outros tantos companheiros da extrema direita têm fugido do debate de temas relevantes do universo educacional. Focam em besteiras como a suposta existência, em escolas, de uma corrente de pensamento destinada a fazer com que crianças assumam uma orientação sexual diferente daquela que lhes seria determinada pelo sexo no nascimento — como se possível convencer alguém a deixar de torcer pelo Atlético e optar pelo Cruzeiro, ou vice-versa, para usar exemplo mineiro.

Chamam de "ideologia de gênero" a prática necessária de não discriminar crianças e jovens que não se enquadram em determinadas visões da sexualidade, atitude que busca apenas evitar sofrimento e, mesmo, suicídios gerados pelo preconceito. Liberais deveriam, até por fidelidade à doutrina que privilegia a individualidade, defender o que é diverso, não estimular a desinformação e o medo.

A mesma sanha oportunista é que leva à distorção de informações sobre banheiros unisssex. O deputado agora presidente da Comissão de Educação chegou a ser denunciado pelo Ministério Público por expor uma adolescente transexual de 14: numa escola, ela utilizou o banheiro onde estaria a irmã do parlamentar.

Para ele, a jovem não passava de um homem, como se rapazes que se identificam com o sexo oposto fossem capazes de adotar uma personalidade feminina, e arcar com todas as prováveis agressões de que seriam vítimas, apenas com o objetivo de assediar mulheres. A caricatura não está nessas pessoas, mas no próprio Nikolas, que há exatamente um ano subiu na tribuna da Câmara com uma peruca loura.

A escolha do deputado mais famoso pelas provocações para um cargo tão importante tem a ver com o crescimento da briga política, não deixa de ser uma reação a investigações da Polícia Federal. Mas é uma pena que políticos de carreira estimulem a transformação do Congresso na casa do BBB. Não custa lembrá-los de que seus empregos dependem da democracia e do sistema representativo.

 

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