A Beija-Flor acertou em cheio ao decidir dedicar seu próximo enredo a Laíla, um dos maiores personagens da principal manifestação artística-cultural brasileira. A escola, que passa por uma crise de identidade, resolveu olhar pra própria história.
Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, morto em 2021 por Covid, fez praticamente de tudo em escola de samba. Foi ritmista, compositor, intérprete, produtor musical, artesão, carnavalesco, diretor de harmonia, diretor de carnaval — nada lhe era estranho num barracão.
Parceiro vitorioso de Joãosinho Trinta no Salgueiro e, principalmente, na Beija-Flor, Laíla, até por seu temperamento, aparecia bem menos que o carnavalesco. Era rabugento, distribuía poucos sorrisos, não fazia média. Foi decisivo para transformar a escola de Nilópolis em máquina de desfilar.
Sua presença nos ensaios da escola era impressionante. No alto de um palco, controlava tudo o que se passava: diferentemente do que ocorre em outras escolas, os ensaios de quadra da Beija-Flor têm um viés muito técnico. Componentes de todas as alas desfilam como se estivessem na Avenida — na época, sob o olhar de Laíla.
Laíla foi fundamental também no processo de desenvolvimento de enredos e de criação de alegorias. Reivindicava a autoria do Cristo Mendigo, uma das imagens mais marcantes da história dos desfiles. Depois da proibição de exibição do Cristo no Sambódromo — a Justiça atendeu ao pedido da Arquidiocese do Rio —, Laíla teve a ideia de cobrir a imagem com plásticos pretos e exibir a faixa "Mesmo proibido olhai por nós!".
Foi dele também a proposta de levar o casal de mestre-sala e porta-bandeira para o início do desfile, o que seria imitado por todas as escolas. Diante do terremoto causado pela saída de Joãosinho da Beija-Flor, um Laíla escolado pela vaidade dos carnavalescos decidiu que os desfiles passariam a ser pensados por uma comissão de Carnaval.
Em 2017, resolveu que, no enredo em homenagem a Iracema, a escola se aproximaria mais do conceito de ópera popular: o desfile foi dividido em atos teatralizados, todas as fantasias seriam diferentes, até mesmo numa mesma ala.
Os últimos anos de carreira de Laíla foram menos gloriosos, chegou a amargar o rebaixamento da União da Ilha em 2020. Mas os fracassos em nada diminuem os 21 títulos que ele ajudou a conquistar na primeira divisão do Carnaval. Sem formação em escola de Belas-Artes, autodidata, Laíla personifica a lógica do samba, algo inventado por negros como ele que criaram beleza e mecanismos de integração e de reconhecimento a partir de suas experiências estéticas e de vida. Aprenderam a ler pra ensinar seus camaradas.