Uma das origens da gafe de viés racista e machista cometida por Lula pode ser encontrada no seu ministério. Nele há mulheres e há negros que, com algumas exceções, chefiam pastas periféricas, com pouco poder e verbas.
Na hora de escolher dois ministros para o Supremo Tribunal Federal, o presidente optou por homens e brancos (Flávio Dino, embora tenha passado a se declarar pardo em 2018, é, na lógica brasileira, considerado branco).
A ausência de negros no centro de poder — no setor público e no privado — colabora para manifestações racistas, mesmo involuntárias, como no episódio protagonizado por Lula. A falta de diversidade em locais de trabalho, de convivência com pessoas historicamente discriminadas, permite um relaxamento na maneira de se abordar determinados temas.
Há algumas décadas, piadas e comentários preconceituosos sobre gays, negros e, mesmo, mulheres, não eram incomuns em redações de jornais. Já na época havia muitas mulheres nesses ambientes, mas poucas em cargos de poder. Negros eram raros entre os jornalistas; muitos gays negavam ou disfarçavam sua orientação sexual para evitar discriminação. A invisibilidade dessas pessoas ajudava na disseminação de comentários preconceituosos que, hoje, são inadmissíveis.
A observação de Lula parte de uma naturalização da exclusão, gerações de brasileiros se acostumaram a identificar a presença de negros num palco apenas em casos de apresentações artísticas. Com mulheres era parecido: se ocupavam posição de destaque era porque acompanhavam algum homem poderoso.
Lula escorregou ao tentar fazer uma brincadeira para ressaltar a importância de uma jovem negra ter sido premiada entre os aprendizes da Volkswagem. Ele não remeteu o preconceito para o passado, não disse algo como "Há alguns anos, todos se espantariam com a presença dessa jovem no palco".
Ao falar, demonstrou que aquela mulher, entre tantos brancos, ainda é motivo de surpresa, até mesmo para ele: "(...) eu estava perguntando o que faz essa moça sentada, que não ouvi ninguém falar o nome dela". Fosse mais um homem branco, não haveria qualquer estranheza.
O presidente ainda tropeçou ao dizer que "uma afrodescendente assim gosta de um batuque". Pode gostar, pode não gostar — não há determinismo étnico nas preferências artísticas.
E aí voltemos ao ministério e ao STF. Na hora de falar de economia e de políticas de investimentos, Lula deve conversar com Fernando Haddad, Geraldo Alckmin e com Simone Tebet. Para tratar de política, chama Rui Costa, Alexandre Padilha, Paulo Pimenta. Para o STF, chamou Cristiano Zanin e Ricardo Lewandowski. Seus interlocutores nessas áreas essenciais são brancos, quase todos homens.
Ministros fora do padrão dominante como Silvio Almeida, Anielle Franco, Sônia Guajajara e Margareth Menezes cuidam de pautas específicas, como se não tivessem capacidade de atuar em setores mais amplos.
Ao estranhar o destaque de uma jovem negra numa multinacional, Lula reproduziu um espanto que continua a estimular no seu círculo de poder. Para evitar novas derrapadas, Lula deveria aprofundar a diversidade em seu primeiro escalão: revelaria talentos, incorporaria visões diversas ao seu governo e aprenderia a ver um admirável novo mundo com olhos menos arregalados.