Ao que tudo indica, o presidente Lula (PT) não terá vida fácil em 2024 no mais que nunca poderoso Congresso Nacional. Problemas ocorridos depois do recesso parlamentar devem fazer barulho em fevereiro. No impeachment de Dilma Rousseff, parlamentares se deram conta de seu próprio poder e, desde então, tratam de exercê-lo sem qualquer limitação.
Há até uma década, o fato de a maioria dos deputados não se alinhar a ideologias de esquerda ou de direita ajudava a facilitar a vida do presidente. Um ministério aqui, uma estatal ali e a liberação de verbas acolá era a receita de um fisiologismo que permitia ao governo não ter maiores problemas no Congresso. Funcionou com Fernando Henrique, com Lula e mesmo ao longo do primeiro mandato de Dilma.
De acordo com reportagem publicada em 30 de dezembro de 2003 pela Folha de S. Paulo, Lula, ao fim de seu primeiro ano na Presidência, tinha o apoio de 11 dos 15 partidos representados na Câmara, de 376 dos deputados, 73% do total. A base do governo incluía partidos que passavam longe da esquerda, como PMDB, PTB e PP — nenhum deles precisava prestar contas de seu adesismo, era tudo pelo bem do Brasil, e ponto.
Naquele tempo ninguém duvidava de que o poder estava, principalmente, no Palácio do Planalto, que regulava o mercado de compra e venda de votos de parlamentares. Estes faziam fila nos ministérios em busca de verbas, que dependiam do governo para a liberação de suas emendas.
O sistema começou a ruir em 2005, quando deputados do chamado baixo clero lideraram uma rebelião que levou um dos seus (Severino Cavalcanti) para a presidência da Câmara. No mesmo ano, o então deputado Roberto Jefferson tratou de se vingar de denúncias que envolviam aliados de seu PTB e alardeou a existência do que chamou de Mensalão, mecanismo regular de pagamento de propinas pelo governo para garantir maioria no Congresso.
Uma das principais pontas do esquema revelaria uma até então inimaginável parceria entre o PSDB e o PT — iniciado pela tucanagem mineira, um mecanismo de desvio de dinheiro público seria compartilhado com o adversário
Apesar de suas tantas ilegalidades, a Lava Jato conseguiu mostrar o que movia as relações entre políticos e empresas. Os escândalos abalaram o toma lá-dá cá tradicional, ajudaram a instituir novas formas de relacionamento entre governo e parlamento. Aos poucos, o Congresso tratou de eliminar intermediários e criou seus sistemas de financiamento. O presidente da Câmara virou de vez uma espécie de representante de um sindicato dos deputados.
Ameaçada pelas manifestações e pela crise econômica, Dilma aceitou tornar impositivas as emendas parlamentares ao orçamento de 2014; no ano seguinte, deputados e senadores enfiaram a obrigatoriedade na Constituição.
De lá pra cá, parlamentares deitam e rolam: derrubaram Dilma, arrancaram benesses de Michel Temer para mantê-lo no poder, mataram no peito a terceirização de poder feita por Jair Bolsonaro e, agora, esticam a corda com Lula. No rastro de Bolsonaro, a eleição de parlamentares de extrema direita diminuiu o campo de manobra do atual governo.
O Planalto conseguiu boas vitórias em 2023, mas, em dezembro, engoliu a derrubada de vetos presidenciais e se deu conta de que vai ser preciso recuar em relação à volta da cobrança plena de contribuições previdenciárias de empresas de 17 setores. Pra piorar, enfrenta a ira da bancada evangélica, irritada com uma decisão da Receita Federal que mexe no bolso de pastores.
Ontem, Lula admitiu a dificuldade de negociar com o Congresso, mas disse ter prazer na tarefa. Vamos ver se esse sentimento se mantém ao longo de 2024.