Por: Fernando Molica

Parlamentarismo já

Hoje, cabe ao Congresso definir, por meio de emendas parlamentares ao orçamento, a aplicação de cerca de 25% da pouca grana disponível para investimentos. | Foto: Agência Brasil

O confisco pela Câmara e pelo Senado de boa parte do orçamento indica que é melhor mandar às favas o plebiscito de 1993, que deu folgada maioria ao presidencialismo, e formalizar a instituição do parlamentarismo entre nós. Assim, o Congresso teria a responsabilidade de governar.

Há 30 anos, os brasileiros cravaram: 55,67% optaram pelo presidencialismo e 24,91% pelo parlamentarismo (25,43% ficaram no branco ou nulo). Um resultado até previsível para um país que, saído de uma ditadura, acabara de reconquistar o direito de eleger o presidente da República. A experiência parlamentarista anterior, fruto da conspiração militar contra a posse de João Goulart na Presidência, fora derrotada, em 1963, por um placar ainda mais expressivo: 76,88% a 16,88%.

Por duas vezes, o Brasil rejeitou a possibilidade de o governante de fato ser um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso, eleito, portanto, indiretamente. Ao presidente, como em países como Portugal e Alemanha, caberia um papel secundário. Em 1993, a maior parte da esquerda foi contra a escolha do parlamentarismo. Escaldado pela crise do início dos 1960, Leonel Brizola dizia que a eleição presidencial, por depender menos de máquinas partidárias, permitia mais chances para a ascensão de governos progressistas, já o Congresso tendia a manter um viés conservador. As cinco eleições de petistas à Presidência e reforçam a tese brizolista: em todas essas eleições, a esquerda jamais conseguiu maioria no Parlamento.

Para governar, todos os presidentes a partir de 1990 tiveram que dar cargos e distribuir verbas para deputados e senadores. Mas, pelo menos até o segundo mandato de Dilma Rousseff, o ocupante do Planalto é que controlava o jogo. O impeachment de 2016 deu um poder quase absoluto ao Congresso. Uma força que aumentou no governo de Michel Temer e ganharia contornos definitivos no mandato de Jair Bolsonaro, que terceirizou o exercício do poder para o Centrão.

Em governos, empresas e lares, manda quem define o destino do dinheiro. E, no caso do governo central, cada vez mais esse direito de definir para onde vão as verbas escorre do Palácio do Planalto e dos ministérios para deputados e de senadores. Hoje, cabe ao Congresso definir, por meio de emendas parlamentares ao orçamento, a aplicação de cerca de 25% da pouca grana disponível para investimentos. Esse percentual deverá ser ainda maior em 2024.

A pulverização de recursos em obras de menor porte, como asfaltamento de ruas, bloqueia a execução de projetos maiores e estratégicos dá cada vez mais funções executivas àqueles que deveriam priorizar a elaboração de leis. A lógica paroquial também facilita desvios e o eventual direcionamento de recursos para essa ou aquela empresa. 

Obrigados a pagar emendas tornadas impositivas, ameaçados de derrota a cada votação importante, governos não têm outra saída, são obrigados a fazer o que o Congresso manda. A profusão de emendas contribui para a consolidação cada vez maior de elites políticas locais, o que favorece os poderes há décadas constituídos — é só ver a repetição dos sobrenomes que mandam em cada estado.

A grande maioria legisla de acordo com seus interesses, situação agravada pelo fato de que deputados e senadores não têm a responsabilidade de apresentar resultados administrativos — o governo que se vire. Como é improvável que parlamentares devolvam poderes à Presidência, o melhor é fazer com que o Congresso assuma o ônus de governar.

O parlamentarismo tende a fortalecer partidos que tenham algum projeto nacional, enfraquece o deputado do bloco do eu sozinho — quem hoje apenas arrecada e gasta dinheiro terá que mostrar serviço. Pode até funcionar de forma didática e colaborar para que a população, tão ciosa ao votar para cargos executivos, pense melhor na hora de eleger aqueles que vão governar e dar os rumos do país. Toma que o filho é teu, Congresso.

 

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