Por: Fernando Molica

Milei e o céu do liberalismo

Milei pode colocar a direita novamente no poder na Argentina | Foto: Embaixada dos Estados Unidos na Argentina/ domínio público/ Wikimedia Commons

Assim como Lula e partidos de esquerda comemoram vitórias de candidatos progressistas pelo mundo, Jair Bolsonaro, derrotado no Brasil, tem o direito de festejar a eleição de Javier Milei na Argentina. Só não precisava pagar o mico de tentar posar ao lado de outros presidentes — acabou barrado; afinal, é um ex.

Mas é bom que bolsonaristas se preparem para o impacto e repercussão das medidas anunciadas por Milei, como aumento em tarifas públicas, como energia elétrica e combustíveis. De acordo com a cartilha liberal, o prometido enxugamento do Estado pode até dar resultado lá na frente, o problema é impor a uma população já empobrecida e impaciente, e de maneira abrupta, o remédio amargo das restrições.

Assim como no caso da eleição de Bolsonaro em 2018, Milei parece ter sido eleito menos por suas ideias privatistas e mais por ter se apresentado como o candidato do contra tudo o que está aí. Desesperada, irritada com a sucessão de crises, cansada dos cinquenta mil tons de cinza de um onipresente peronismo, a população argentina optou pelo homem que ama e conversa com cachorros.

O problema é ver como isso vai funcionar na prática. A lógica liberal promete uma espécie de paraíso focado na competitividade e meritocracia ao cabo de um duro processo de transição. Parte, muitas vezes, de uma constatação importante, a de que o Estado costuma ser ocupado por grupos que têm como principal objetivo o de manter esse controle.

É só ver o que aconteceu no Reino Unido governado por  Margaret Thatcher, musa dos liberais. Ela precisou gastar todo seu capital político para inverter a lógica do Estado como o paizão que acolhe todos os cidadãos, mesmo que, volta e meia, use e abuse do cheque especial. Thatcher enfrentou greves intermináveis, jogou pesado para atingir seus objetivos. Criou um país talvez mais eficiente, mas acirrou as desigualdades.  

Mas como no velho ditado, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra. Diferentemente do Reino Unido, a Argentina é um país pobre que tem pouca gordura para queimar. Sua população é muito mais politizada do que a brasileira e não vacila na hora de ir pra rua. Terão os argentinos paciência e — literalmente — estômago para suportar o período de restrições que promete chegar enquanto esperam a redenção prometida pelo deus Adam Smith?

Só para lembrar: na mesma Argentina, há pouquíssimo tempo, Mauricio Macri prometeu que ia diminuir o Estado e rezar pelo catecismo liberal. Viu que não ia conseguir e  tratou de recuar, o pragmatismo falou mais alto.

Estimulado por Paulo Guedes, sem saber o que fazer da economia, Bolsonaro também embarcou no carro liberal. Deu umas voltinhas pelas ruas, mas, acuado pela pandemia e pelo crescimento de Lula nas pesquisas, tratou de ignorar seu Posto Ipiranga e adotou medidas assistencialistas. Tudo para tentar se manter no Palácio da Alvorada. Não deu certo.

A situação do nosso vizinho é historicamente complicada. Um  professor de História no Colégio Metropolitano, no Méier, costumava, lá pelo fim dos anos 1970, dizer  que no mundo havia três sistemas político-econômicos: o capitalismo, o socialismo e o argentino. Como assim? Ele frisava que a Argentina tinha terras férteis e muito petróleo, um território de tamanho importante, população bem escolarizada e não excessiva. Mesmo assim, com todas essas vantagens competitivas, o país não dava certo, era um sistema à parte dos dois que dividiam o mundo naquela época.

Milei tem uma chance de desmentir meu professor. Mas, na hora em que as tarifas subirem, não vai ser fácil convencer que a passagem pelo vale de lágrimas é necessária para se alcançar a prosperidade futura. É aquela história: no longo prazo, todos estaremos mortos.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.