Por: Fernando Molica

Homenagem a filho de bicheiro mostra o jogo aberto na Câmara

Luizinho Guimarães, herdeiro do Capitão Guimarães, costuma ostentar uma vida de luxo nas redes sociais, como essa foto em Dubai | Foto: Reprodução Instagram

A entrega da principal comenda da Câmara Municipal do Rio a Luiz Macedo Guimarães Jorge, de 25 anos, filho do bicheiro Capitão Guimarães, é mais um exemplo das pra lá de delicadas relações do universo político fluminense.

Ao justificarem a intenção de fazer a homenagem, os vereadores Matheus Gabriel e Alexandre Beça (ambos do PSD), citaram que o rapaz é presidente da escola de samba Unidos de Vila Isabel e que "atua firmemente em uma empresa de construção civil e em uma loja de decoração". Ressaltaram seu amor pelo samba e pelo Carnaval.

Mas não mencionaram a ligação de sua família com o bicho e sua intenção — por ele declarada na série "Vale o escrito" (Globoplay) — de herdar e administrar os negócios paternos ligados à contravenção.

Macaque in the trees
Luizinho Guimarães, herdeiro do Capitão Guimarães, costuma ostentar uma vida de luxo nas redes sociais, como essa foto em Dubai | Foto: Reprodução Instagram

Ele ainda mostrou um quadro que decora seu apartamento. Feita sob encomenda, a pintura exibe os rostos de bicheiros célebres e referências à máfia americana. Luizinho, como é conhecido, não escondeu o jogo e ainda ressaltou seu gosto por uma vida luxuosa, construída com o dinheiro de jogos ilegais. Também não escondeu que está na Vila Isabel por influência do pai, patrono e ex-presidente da escola. 

Em maio, a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão contra, entre outros, Guimarães e Luizinho. Os dois eram suspeitos de envolvimento no assassinato, ano passado, de um ex-aliado do bicheiro, o contraventor Wilson Moisés, também ex-presidente da Vila.

O requerimento em que a homenagem foi requerida traz o apoio de outros 21 vereadores, entre eles, o presidente da Câmara, Carlo Caiado (PSD), Carlos Bolsonaro (Republicanos), Cesar Maia (PSDB), Waldir Brazão (sem partido) e Zico (Republicanos). Apresentada no último dia 8 de agosto, a proposta foi aprovada, em votação simbólica, 17 dias depois. A entrega do conjunto de medalhas foi na última terça.

Controlada por bicheiros e representante oficial das escolas de samba do Grupo Especial, a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) tem o direito de negociar com o poder público, com empresas privadas, com emissoras de TV. Afinal, fala pelos donos da festa. Mas isso não apaga o óbvio: o jogo do bicho representa uma boa parcela do crime organizado no Rio, foi pioneiro na lógica da divisão territorial da cidade, corrompeu e corrompe policiais e outros agentes do Estado, é responsável por uma lista quase interminável de homicídios que nunca são esclarecidos.

Não há evidência de que o homenageado pela Câmara tenha participação em crimes atribuídos a bicheiros, mas até os postes do Rio sabem que ele só recebeu a medalha por ser filho de quem é, não por suas atividades empresariais. Ao condecorá-lo, o Poder Legislativo carioca reconhece e ressalta um outro poder.

A entrega do Conjunto de Medalhas Pedro Ernesto ao rapaz carrega uma ironia. A comenda leva o nome de um prefeito do Rio na década de 1930. Ligado a alguns dos movimentos revolucionários da época, Pedro Ernesto — que também dá nome à sede da Câmara Municipal — foi preso em 1936, acusado de participação no movimento comunista de 1935.

Além de bicheiro, o pai do homenageado, Capitão Guimarães, é ex-oficial do Exército e participou da repressão aos grupos de esquerda que atuaram nos anos 1960 e 1970. Trinta anos antes, Pedro Ernesto seria uma de suas vítimas.

 

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