Por: Fernando Molica

O eleitor é volúvel

De um modo geral, a população tende a eleger aqueles que mais lhe oferecem benefícios, não importando para qual direção apontam. | Foto: Freepik

Muita gente que se espanta com a vitória de Javier Milei procura impor à realidade uma lógica de direita x esquerda que, de um modo geral, não faz sentido para a grande maioria das populações, mesmo no caso de um país com níveis de instrução e de politização bem maiores que os nossos.

É razoável que pessoas tenham mais identificação com proposta desse ou daquele campo político, mas, como no "Rigoletto", o eleitor é volúvel. Há os que defendem presença maior do estado na economia e a manutenção de direitos trabalhistas rígidos e detalhados; enquanto outros defendem o salve-se quem puder, cada um por si e Adam Smith por todos.

Na maior parte dos casos, o eleitor faz um mix: quer que o Estado lhe forneça segurança, saúde, educação, transporte, gasolina barata e boas estradas. Tudo isso, sem que seja necessário pagar imposto. 

Como a conta não fecha, o cidadão fica numa espécie de pêndulo: elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso em reconhecimento à estabilidade da moeda; mandou petistas para o Palácio do Planalto por quatro vezes consecutivas e tratou de, depois, eleger Jair Bolsonaro, que acabaria derrotado em 2022.

O país que, em 2010, deu a Lula 87% de popularidade não era formado por uma maioria de simpatizantes ou militantes de esquerda. O que houve foi o reconhecimento de que ele fizera dois bons governos: o entusiasmo era tanto que foi suficiente para ungir Dilma Rousseff. A mesma que, anos depois, teria sua saída exigida, aos gritos, pelas ruas do país. 

Com todas as suas distorções, a eleição para deputado federal costuma dar uma boa noção do viés ideológico da população; melhor, da inexistência de uma posição política definida.  O fenômeno do bolsonarismo ajudou a dar cores mais evidentes à composição da Câmara: cerca de 20% se identificam com a direita; o mesmo percentual vai com a esquerda. Representam, de maneira bem evidente, a posição de seus eleitores.

Mas entre 50% e 60% dos deputados não têm qualquer compromisso com essas vertentes ideológicas. Tendem ao conservadorismo mais pela defesa de interesses específicos do que por ideologia. Estão sempre prontos para guinadas à esquerda ou à direita de acordo com as ofertas recebidas por diferentes governos. 

A população tende a caminhar na mesma linha, ainda que não receba as mesmas benesses parlamentares. Defende a propriedade privada, não quer saber de coletivização de bens (principalmente dos seus). Mas quer que o Estado lhe propicie serviços de qualidade. 

Isso vale pra quase todos os países do mundo, inclusive para a Argentina. Talvez seja mesmo meio complicado encaixar o extremista de direita, histriônico e esquisitão no estereótipo de um povo argentino a que estamos acostumados. E este é ponto, um estereótipo, construção de uma verdade a partir de informações que escolhemos.

A maioria dos argentinos não votou em Milei por ser de direita; por tantas vezes, elegeu representantes da esquerda vestidos com as diferentes cores do peronismo. Votou no cara porque a vida por lá continua muito ruim e é difícil cobrar compromisso ideológico diante da pobreza que não parou de crescer mesmo com a eleição de moderados de direita ou de esquerda.

Como um time que perde aos 45 do segundo tempo, o eleitor argentino foi pro ataque de maneira quase suicida, chutou um balde sabendo que corre o risco de ser obrigado a amortecer sua queda com a própria cabeça. 

 

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