Por: Fernando Molica

Os sem-imposto.

Política Fiscal pode a diferença na economia brasileira | Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O maior problema tributário do país não tem a ver com quem paga imposto, mas com aqueles que não pagam.  Um tipo de injustiça que, ao que tudo indica, será mantido na reforma agora em discussão no Congresso Nacional e que renova e adiciona privilégios.

Ao conceder incentivos tributários — redução ou isenção de impostos para um setor ou categoria profissional —, um governo mete a mão no bolso de quem não será beneficiado. A velha história de não existir almoço grátis: alguém sempre paga a conta.

Recentemente, o Congresso prorrogou a chamada desoneração da folha de pagamento de 17 setores empresariais e estendeu o mimo para milhares de prefeituras — todos os beneficiados pagarão menos ao sistema previdenciário. 

Eles ficarão/entrarão num grupo grande, dos que nada pagam à Previdência, ou pagam bem menos. Sabe aqueles caríssimos grandes hospitais e muitas escolas e universidades privadas? Quase todos têm o carimbo de utilidade pública, o que os isenta de pagar a contribuição previdenciária patronal.

Na hora da aposentadoria, os funcionários dos tais 17 setores, das prefeituras, dos hospitais e das escolas vão receber o mesmo que os empregados de empresas que, fora da lista dos agraciados, pagaram normalmente sua contribuição previdenciária: esses trabalhadores subsidiaram, portanto, a aposentaria de outras pessoas (a complementação costuma vir do Tesouro Nacional, ou seja, de todos nós).

Neste caso específico, a generosidade com o chapéu alheio contribui para o aumento do déficit previdenciário e para a necessidade de futuras reformas que terão impacto direto na aposentadoria de todo mundo.

O Tribunal de Contas da União calculou que, ano passado, as isenções fiscais chegaram a R$ 581,5 bilhões, o que correspondeu a 31,3% sobre a receita primária líquida do governo federal. O dinheiro para repor tanta generosidade saiu do seu bolso, leitor, caso você esteja no grupo dos sem-isenções.

Na parruda lista dos beneficiados estão os contribuintes que podem optar pelo Simples (R$ 103,9 bi de perda de arrecadação), agricultura e agroindústria (R$ 50,9 bi), entidades sem fins lucrativos (R$ 34,9 bi), Zona Franca de Manaus e outras áreas de livre comércio (R$ 31,3 bi), combustíveis (R$ 29,8 bi).

O que o governo deixa de receber com rendimentos isentos e não tributáveis e com deduções no Imposto de Renda da Pessoa Física soma R$ 70 bilhões. Ou seja, o faxineiro do hospital ou do consultório médico que ricos e classe média frequentam ajuda pagar pelo atendimento dos que têm grana. E ele só tem o SUS.

Focado no consumo — e vai continuar assim com a reforma —, o sistema tributário brasileiro é socialmente perverso. Ao comprar uma caneta, ricos e pobres pagam o mesmo imposto embutido no produto. A injustiça se mantém na taxação da renda; os que têm mais grana podem, dentro da lei, pagar muito menos impostos que os pobres.

A proposta liberal defende a cobrança de menos impostos para que cada um de nós, com mais dinheiro no bolso, cuide de sua vida. A tese é respeitável, mas, sem o fim dos presentes que beneficiam os setores mais ricos,  serviria apenas para diminuir os serviços públicos destinados aos mais pobres, que seriam duplamente punidos.

 

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