Por: Fernando Molica

A munição do problema

Cinto de munições. | Foto: Marek Studzinski/Unsplash

Ao constatar que quase a totalidade da munição apreendida com bandidos no Espírito Santo foi fabricada pela CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), o Instituto Sou da Paz confirma que não dá pra se pensar em solução para a violência sem uma restrição radical na fabricação e comercialização de armas e cartuchos.

Diferentemente das drogas, quase todas as armas e munição nascem legalmente, em empresas conhecidas, com endereço e CNPJ. Em tese, são, num primeiro momento, vendidas para consumidores registrados, que podem comprá-las. 

Tráfico de drogas existe no mundo inteiro, mas, por aqui, está associado a um domínio territorial que só é possível graças à posse de armas e munição. Algo que conta com a cumplicidade de setores da sociedade e, em particular, da máquina estatal. Não se trata de uma arma aqui ou acolá, de um lote ou outro de cartuchos encontrado com bandidos. A profusão de material bélico em mãos erradas é fruto de uma bem implementada política de desvios.

Uma cadeia bem azeitada, que permite às diversas quadrilhas a capacidade de promover guerras, de disparar tiros pra todos os lados, de infernizar a vida de todo mundo. Eles não economizam na hora de atirar, sabem que a reposição é garantida. Um mecanismo que não ocorre apesar do Estado, mas por ação ou omissão de governantes.

Ao longo do seu mandato na Presidência, Jair Bolsonaro fez o que pôde para incentivar a circulação de armas e munição. Um levantamento também do Sou da Paz encontrou mais de 40 decretos presidenciais — alguns suspensos pelo Supremo Tribunal Federal —  que praticamente acabaram com restrições à venda desse material.

Num deles, Bolsonaro aumentou de de 50 para 5 mil o número de projéteis que poderiam ser adquiridos para defesa pessoal. Algo que deve ter sido comemorado pelo crime: entre 2018 e 2022 houve aumento de 54% no número de casos de cartuchos desviados (roubados, furtados ou extraviados) no ES. Do total desaparecido, 56% estavam em residências. 

Bolsonaro também tratou de dificultar medidas que permitiam o rastreamento de armas e de munição. Revogou portarias do Exército que estabeleciam normas de identificação e de marcação desses produtos. Por que um presidente da República que dizia combater a criminalidade era contra a possibilidade de a polícia descobrir de onde vieram e por onde passaram armas e projetéis utilizados em crimes?

É preciso também de cultivar lendas como as que tratam de supostas origens estrangeiras de todo esse material. Também de acordo com o Sou da Paz — que publicou o estudo no Anuário da Segurança Pública do governo capixaba —, 56,7% das armas apreendidas com bandidos foram fabricadas no Brasil.

Não haverá qualquer solução possível para a diminuição da criminalidade se governos não atacarem a fabricação, distribuição, venda e desvio de tanta munição. Esses esquemas tão eficientes e lucrativos que raramente são alvo de investigações e de prisões.

Políticos e policiais preferem investir no de sempre, em operações em favelas e periferias que geram notícia, pânico, mortos, e praticamente nenhum resultado duradouro. Este ciclo de violência que rende grana para todos os seus sócios, votos para tantos políticos e milhares de mortes precisa ser interrompido.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.