Por: Fernando Molica

Um futuro sempre distante

Capa de "O antigo futuro" | Foto: Divulgação

Lançado em 2022, o romance 'O antigo futuro' (Companhia das Letras), de Luiz Ruffato, lembra as muitas colchas de crochê que minha avó Rita — mineira como o escritor — trançou ao longo da vida. A partir de um ponto inicial, ela levava aquelas linhas para caminhos ao mesmo tempo semelhantes e diferentes. 

Macaque in the trees
Capa de "O antigo futuro" | Foto: Divulgação

O padrão era mais ou menos o mesmo: quadrados coloridos que iam sendo unidos a uma espécie de moldura preta, que ligava e separava os diversos elementos. Tudo nascido de um aparente nada, havia apenas linhas, agulha e mãos.

As colchas eram parecidas e diferentes das outras; ao observá-las, prontas, não dava pra saber por onde elas haviam sido iniciadas, onde começavam e terminavam. Cada uma tinha uma história que seria renovada todos dias, dependendo de seu uso, da cama que viria a cobrir. Todas traziam a marca do gesto inicial da artesã que as tecera; marcas que permanecem.

 'O antigo futuro' trata da família Bortoletto, homens e mulheres que vieram da Itália para o Brasil, foram levados para Minas Gerais e, a partir de lá, construíram histórias de trabalho, tristeza, alegrias,  tragédias e de seguidas decepções.

Como nos quadrados das colchas da vó Rita, cada personagem tem sua autonomia, suas próprias cores; com o tempo, ficam mais ou menos puídos ou desbotados. Agricultores que viraram operários, comerciantes, artistas; alguns estudaram mais, outro menos. Quase todos migraram para outras cidades, outros estados e países.

Como nas colchas da vó Rita, foram se espalhando por aí, construindo histórias que, tão ao gosto de Ruffato, tratam da vida de brasileiros nem ricos nem miseráveis. Gente que, de tão comum, não costuma virar personagem de livro. 

No romance, Ruffato revela detalhes de cada pai e de cada mãe, que ganham nomes na medida em que  a leitura avança. O livro é narrado de frente pra trás, os personagens mais recentes aparecem sempre antes dos seus antepassados.

É como se o leitor fosse jogado numa escavação arqueológica. Primeiro encontra os objetos mais novos e, aos poucos, os mais antigos. Estes, os pretéritos, ajudam a explicar as marcas, os trincos, as manchas visíveis nos mais recentes.

Os personagens são protagonistas e testemunhas de infernos que, provisórios (para citar outro livro de Ruffato), renovam-se ainda que atados a um passado tão definidor de futuros.  Dá pra imaginar que pelo menos algum jovem Bortoletto esteja agora rodando por aí, carregando comida em sua moto.

Narrado no tom de quem compartilha confidências, 'O antigo futuro' é também uma manifestação de solidariedade e de pertencimento. Algo flagrante quando o autor meio que se inclui no enredo. A narração em terceira pessoa das atribulações da chegada da família ao Brasil — o ponto inicial da colcha — ganha uma primeira pessoa do plural: "Então, empurraram-nos para dentro de um trem, com destino a Juiz de Fora (...)."

 

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