Por: Fernando Molica

A rainha e o déficit

A Rainha de Copas ordenando cortar cabeças. Isto nos lembra uma situação atual? | Foto: Disney/Divulgação

 Ao prever que não vai cumprir a promessa de, em 2024, não gastar mais do que arrecada, Lula (PT) apenas renovou um compromisso presidencial de não mexer num vespeiro. O déficit zero é mais ou menos como a reforma agrária — todo mundo é a favor, desde que nas terras alheias.

Ao não conseguir fechar as contas, o governo entra numa espécie de cheque especial; para conseguir dinheiro e honrar seus compromissos imediatos, emite e vende títulos que dão aos seus compradores o direito de, daqui a alguns anos, recuperar com sobras o valor investido. Ao fazer sua fezinha no Tesouro Direito, o leitor ajuda a pagar salários dos servidores, mantém universidades abertas e irriga as plantações de interesses do Centrão. 

Para os presidentes, a grande vantagem desse cheque especial é que cabe ao povo brasileiro pagar a dívida que eles contraem. Para fazer com que seus papéis sejam comprados, os governos têm que aumentar suas expectativas de remuneração — e tome juros altos, que também pesam no nosso bolso e diminuem investimentos.

Políticos adoram gastar dinheiro dos outros. O presidencialismo estimula a gastança, já que mesmos os partidos que estão no poder não têm responsabilidade direta nas consequências da gastança, diferentemente do que ocorre no parlamentarismo. 

Economistas conservadores defendem que governo solucione o problema diminuindo despesas, principalmente na área social. Sabem que é complicado tirar privilégios de quem se beneficia da situação. Se já é dificíl conseguir maioria no Congresso com o  tanto de emendas de parlamentares ao orçamento (R$ 38 bilhões só este ano) fica impossível cortar de deputados e senadores. É mais fácil tirar a alimentação das emas do Alvorada do que segurar despesas da generosa Codevasf, queridinha dos políticos.

Também não dá pra mexer nos quase R$ 60 bilhões anuais do Poder Judiciário federal, ninguém vai mexer no orçamento militar: em 2023, 77% dele estava comprometido com salários, aposentadorias e pensões da família fardada.

O governo também poderia arrecadar mais se diminuísse incentivos fiscais, dinheiro que deixa de receber para estimular determinadas atividades econômicas. Este ano, os gastos tributários são estimados em R$ 456 bilhões, grana que fica com profissionais e empresas que optam pelo Simples, com o agronegócio, com contribuintes que abatem despesas com educação e saúde no imposto de renda, com a Zona Franca de Manaus. Todos os beneficiados — inclusive aqueles que defendem cortes de gastos com os outros — se dizem essenciais e não economizam no lobby para garantir suas benesses.

Como dizia aquela antiga personagem de programa humorístico, brasileiro é muito bonzinho na hora de dar bom-dia com chapéu alheio, o nosso. Ao renovarem incentivos fiscais a 17 setores econômicos, políticos incluiram no pacote autorização para que milhares de prefeituras também paguem menos à Previdência. Daqui a alguns anos, quando o sistema previdenciário ameaçar quebrar de novo, o jeito vai ser cortar de quem nunca se beneficiou com as caridades feitas com seu próprio dinheiro.

Tal e qual a Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas, os fiscalistas de plantão continuam a pedir que cabeças sejas cortadas, desde que seus pescoços continuem a ser preservados.

 

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