Erro supremo
Todos podemos divergir de decisões judiciais, é compreensível... Mas isso não pode justificar algo tão drástico como o fim da vitaliciedade dos ministros.
Caso venha a ser aprovada, a proposta de criar mandato de oito anos para ministros do Supremo Tribunal Federal consagraria de vez a politização e a partidarização da corte. Para manterem a toga, integrantes do STF teriam que, a cada oito anos, submeterem-se a uma nova arguição pelo Senado.
Ontem, Cláudio Magnavita noticiou em sua coluna no Correio que a Proposta de Emenda Constitucional que propõe a mudança, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), já recebeu o apoio de colegas da oposição.
Todos podemos divergir de decisões judiciais, é compreensível que simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro estejam irritados com medidas tomadas por ministros do STF. Mas isso não pode justificar algo tão drástico como o fim da vitaliciedade dos ministros.
Princípio constitucional, o caráter vitalício de todos os juízes é uma garantia da sociedade contra pressões que eles possam sofrer. Magistrados também não podem ter salários reduzidos; a determinação para que sejam trocados de posto só é admissível em casos muito especiais.
Interesses políticos já complicam a escolha daqueles que exercerão a magistratura a partir da segunda instância (a entrada na primeira etapa é por concurso público). Quem está disposto a ocupar uma cadeira de desembargador tem que gastar muita lábia e solas e solas de sapato para conseguir apoio de outros magistrados, de parlamentares e do governador ou do presidente da República.
Um processo que se torna ainda mais complicado quando o que está em jogo é uma vaga em tribunal superior: o viés político fica ainda mais evidente, os indicados ainda precisam ser aprovados pelo Senado.
Os erros e pedaladas processuais da Lava Jato colaboraram para aumentar o peso político dessas escolhas — afinal, nenhum senador quer ser condenado. O impacto das prisões ocorridas no rastro da operação fez com que, já há alguns anos, qualquer indicado a ministro de tribunal superior tem, ao ser sabatinado, repetir que não vai criminalizar a política, que é garantista.
O processo de indicação desses futuros ministros é longe de ser algo perfeito, mas, pelo menos, reflete uma certa tendência da sociedade que elegeu este ou aquele ocupante do Palácio do Planalto. Presidentes mais progressistas tendem a escolher ministros à esquerda do espectro político; conservadores optam pelos que estão à direita: a mistura é importante.
Essas indicações não necessariamente amarram o comportamento dos ministros. Kassio Nunes Marques e André Mendonça à parte, não é incomum que integrantes do STF votem contra os interesses de presidentes que os escolheram, é só ver o que aconteceu nos casos do Mensalão e da Lava Jato.
As presenças no STF, ao longo de muitos anos, de ministros de diferentes tendências — e, espera-se, de representantes da diversidade que existe no país — ajudam a compor um tribunal que, de alguma forma, reflete as mudanças e preferências da sociedade.
A exigência de uma arguição periódica atrelaria os ministros aos senadores; os juízes virariam representantes desses parlamentares no STF, não poderiam contrariá-los durante o exercício da magistratura. Seriam como políticos que devem satisfações aos seus eleitores. A mudança seria boa apenas para os integrantes do Senado que, assim, teriam quase uma garantia de impunidade.
