Ministros com rosto

Cidadãos têm o direito de discutir, de debater e de criticar as falas e decisões de todos os funcionários públicos, especialmente daqueles que exercem algum poder.

Por Fernando Molica

'Juízes sem rosto': Lei deve valer para Ministros do STF?

Ao sugerir que votos de ministros do Supremo Tribunal Federal sejam secretos, Lula voltou a confundir fala presidencial com uma conversa com amigos. Ao dizer que a sociedade "não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte", Lula defende um modelo compatível com ditaduras ferrenhas.

Os cidadãos têm o direito de discutir, de debater e de criticar as falas e decisões de todos os funcionários públicos, especialmente daqueles que exercem algum poder.

Mais uma vez, Lula parece deixar transparecer mágoas relacionadas a fatos ocorridos na história recente do país, como a decisão do STF — pressionado por setores importantes da sociedade e pelo Exército — de, em 2018, negar o habeas corpus que evitaria sua prisão.

É razoável admitir que a campanha contra Lula e o PT tenha repercutido junto aos ministros. Em 2012, antes de chegar ao STF, Luís Roberto Barroso, num artigo, escreveu que a "permeabilidade do Judiciário à sociedade não é em si negativa. Pelo contrário. Não é ruim que os juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social". Um ano depois, já devidamente instalado na corte,  afirmou que o Supremo "deve satisfações à opinião pública", ainda que não deva ser subordinado a ela. 

As próprias idas e vindas do STF em casos da Lava Jato indicam que ministros olharam demais pela janela de seus gabinetes. O argumento que permitiria a anulação de processos contra Lula — a incompetência da vara de Curitiba — foi levantado havia muito tempo pela defesa do então ex-presidente. Só seria ouvido anos depois, quando o cenário político-institucional mudara.

Mas todos os elogios e todas as críticas ao comportamento de ministros do STF só podem ser feitos a partir do fato de que tudo o que dizem e escrevem é público. Para que possam atuar com independência, juízes são inamovíveis — só podem ser removidos de seus postos ou promovidos com sua concordância —, não podem ter salários reduzidos. Juiz não pode reclamar de pressão.

Casos recentes de xingamentos e de agressões a ministros do STF não podem servir como desculpa para a adoção do sigilo, são atos criminosos, que precisam ser punidos.A irritação de setores de esquerda com votos do recém-empossado ministros Cristiano Zanin é legítima: advogado bem-sucedido, chegou ao STF porque quis, sabia que suas atitudes seriam julgadas.

A adoção do sigilo no STF reforçaria a ideia de que poderosos, também os do Executivo e do Legislativo, só devem satisfações a si mesmos. A ideia do anonimato de decisões judiciais, do chamado juiz sem rosto, só é admissível em casos extremos, que envolvem organizações capazes de matar magistrados. A experiência foi adotada em países como a Colômbia, Peru, México e Itália e chegou adaptada ao Brasil em lei assinada em 2012. Para preservar a vida de juízes, desde então é prevista a possibilidade de a sentença ser assinada por um grupo de três magistrados.

Fora esses casos bem específicos, juízes têm que ter rosto, têm que assumir e justificar o que fazem. Os que mandam prender e mandam soltar não podem impedir que seus julgamentos sejam avaliados pela sociedade que paga seus salários, que delega o poder que eles têm.