Por: Fernando Molica

Golpe de fé

Quando a fé é usada para iludir e enganar pessoas... | Foto: Adobe Stock

Ninguém está livre de ser vítima de um golpe, ainda mais no mundo virtual; estelionatários são craques em iludir em enganar. Mas é impressionante como tantas pessoas (50 mil, estima a polícia) caíram no conto do pastor que prometia lucros de até um octilhão de reais — R$ 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000,00 — a quem topasse investir módicos R$ 25,00.

Para se ter uma ideia do, na prática, inimaginável valor, o PIB (soma de todas as riquezas e serviços) dos Estados Unidos é de R$ 116,600 trilhões. Os 200 suspeitos de cometer a pilantragem movimentaram R$ 156 milhões ao longo de cinco anos. Com o objetivo de criar o milagre de multiplicação dos próprios bens, criaram 40 empresas fantasmas e e utilizaram 800 contas bancárias.

Não é a primeira vez que religiosos — pastores, muitas vezes, mas não só eles — são suspeitos de amealhar dinheiro de forma irregular. Muitos pregam a lógica dos investimentos financeiros: quanto mais o fiel doar para Deus e Sua obra, mais terá recompensas. Há igrejas em que pastores são promovidos não por sua competência em aumentar seu rebanho, mas pela capacidade de tosquiar suas  suas ovelhas: os agraciados são os que conseguem arrancar mais lã. 

Contribui para essa adesão à tal Teologia da Prosperidade uma lógica protestante que, diferentemente da católica, associa progresso pessoal e conquista de riquezas a bençãos divinas: se Deus quer o bem dos que n'Ele creem, é razoável que contribua para encher seus bolsos. Como costumava dizer o dono de uma dessas igrejas, Jesus é que tomou a iniciativa de prometer vida com abundância, cabe aos fiéis cobrarem sua parte; desde que demonstrem e provem sua fé com generosas ofertas.

O pensamento é simples, direto e ajuda até para que fiéis não desconfiem da honestidade de líderes religiosos que ostentam uma vida cercada de privilégios. O conforto é visto como prova da retribuição dos céus àqueles que fazem tudo direitinho. Os caras não são vistos como ladrões, mas como exemplos a serem seguidos.

Um dos principais acusados de participar do esquema criminoso, o pastor Osório José Lopes Júnior, não escondia  a vida de luxo, chegava a ir de helicóptero aos cultos — a exibição de riqueza merecia assim ser aplaudida, não condenada. 

Cada um tem o direito de ter sua fé, de contribuir para sua igreja, terreiro, o que for. Mas não custa ficar atento para sinais evidentes sinais exteriores de picaretagem. E isso leva a um outro ponto interessante: o que leva tanta gente a acreditar em promessas tão absurdas?

Há os que, depois de tanto sofrimento e trabalho, concluem que não haverá jeito de obter uma vida minimamente digna sem uma ajudinha de Deus. Mas não se pode descartar a existência daqueles movidos pela mesma ambição torta dos tais líderes religiosos. Muitos que caem em golpes são, de alguma forma, cúmplices dos estelionatários. Também querem levar vantagem em tudo, certo?

Cabe à polícia investigar e prender golpistas, mas é bom que as possíveis vítimas tomem cuidados, como olhar de maneira crítica para a própria ambição que, de tão grande, acaba cegando. Vale também não fazer concessões éticas em troca de vantagens mirabolantes como as que falam tantos e tantos milhões. E não custa lembrar que não há tabela de preços para bençãos.