Por: Fernando Molica

Lula: discurso lá; urgências aqui

Presidente Lula discursa na abertura do Debate Geral da 78º Sessão da ONU | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula acertou cobrar responsabilidades dos países ricos, mas, por experiência própria, sabe que não dá pra esperar sentado, nossa crise social não pode aguardar uma nova ordem mundial.

O discurso na ONU foi importante até para recolocar a bola no gramado, ficaram pra trás os chutões pro alto dados por seu antecessor. O fato de um presidente brasileiro ter voltado a falar de maneira equilibrada sobre temas internacionais relevantes precisa ser comemorado, independentemente de críticas que podem e devem ser feitas a alguns pontos, como o não reconhecimento de que a guerra na Ucrânia foi gerada pela Rússia.

Foi importante alertar que a desigualdade e a falta de oportunidades servem de combustível para o que chamou de "nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", numa referência ao avanço da extrema direita em países como o Brasil. Mas é preciso agir.

A crise econômica nos últimos anos do governo de Dilma Rousseff, a precarização do trabalho promovida por Michel Temer, a covid e os muitos erros de Jair Bolsonaro (entre eles, a mudança desastrada na assistência social) deixaram graves consequências.

Não é preciso consultar estatísticas para verificar o quanto a pobreza aumentou, basta andar um pouco nas ruas para ser abordado por muitas e muitas pessoas que pedem um trocado, um almoço, um par de chinelos. Não se pode normalizar uma situação como essa; programas como Bolsa Família precisam ser ampliados imediatamente — como dizia Betinho, quem tem fome tem pressa.

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Presidente Lula discursa na abertura do Debate Geral da 78º Sessão da ONU | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Não é razoável também achar que o trabalho como entregador ou motorista de aplicativo é o único caminho para uma inserção no mercado de trabalho. Lula volta e meia parece se iludir com o retorno de uma pujança industrial que, há algumas décadas, mudou a cara do trabalho no país.

É justo não querer que o Brasil se conforme em ser um grande produtor de produtos que serão usados na fabricação de ração para animais, é preciso pensar de maneira mais ousada e compatível com os avanços tecnológicos do mundo.

Mas não dá pra fazer planos enquanto questões básicas não forem resolvidas. É impossível pensar em mudanças que sejam inclusivas e geradoras de renda enquanto questões como a educação não forem resolvidas — no segundo governo Lula, o Brasil precisou importar profissionais qualificados para suprir a falta de mão de obra especializada. Não adianta fazer grandes projetos que reservem, para o brasileiro comum, a função de vender água e lanches na porta dos canteiros de obra ou das fábricas.

Ao longo dos anos, o governo federal conseguiu implantar mecanismos de financiamento do ensino básico, de responsabilidade de prefeituras e de governos estaduais. Mas os resultados, de um modo geral, continuam a ser pífios, o que reforça suspeitas de má aplicação de recursos e de desvio de verbas.

Não dá pra aceitar que, em nome de acordos políticos, o governo abra mão de seu papel de cobrar a correta aplicação de dinheiro. A destinação de recursos federais deveria ser condicionada a uma melhora progressiva e rápida dos índices de educação.

Os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso deram ao país uma moeda estável; sob Lula, a economia cresceu e houve o início de um processo de melhoria das condições de vida da população mais pobre. É preciso, agora, criar condições tirar o país do atoleiro educacional em que foi colocado não por erro, mas por um projeto bem-sucedido de exclusão. Não dá pra esperar os gringos, Lula.

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