Ao cair no choro quando começa a ouvir a gravação de 'Gente' feita por Xande de Pilares, Caetano Veloso sem querer acrescentou uma décima primeira música ao álbum em sua homenagem gravado pelo carioca. O pranto do cantor e compositor baiano remete a 'Força estranha': "Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista/ O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece."
Caetano, que hoje faz 81 anos, renova seu compromisso de não envelhecer ao se surpreender e se emocionar com a nova roupagem de sua canção. Produzido por Pretinho da Serrinha, autor dos arranjos, 'Xande canta Caetano' é uma linda reverência a um dos mais geniais e inquietos compositores brasileiros, um artista que soube passear por diversos estilos; sofisticado, desafiou aqueles que desprezavam cantores e estilos mais populares.
Gravou 'Coração materno', de Vicente Celestino, recuperou canções latino-americanas estigmatizadas pelo rótulo de bregas, compôs para um Roberto Carlos que, no fim dos anos 1970, não tinha mais o viço da Jovem Guarda nem o carimbo de clássico que, merecidamente, desfruta hoje.
Ao cantar dez canções de Caetano, Xande faz uma linha de passe com o samba de roda do Recôncavo e o pagode carioca — e começa um novo jogo. O lamento original de 'Muito romântico' dá lugar a um samba que ficaria bem sob a tamarineira do Cacique de Ramos: quem imaginaria ter vontade de ensaiar uns passos, copo de cerveja na mão, ao ouvir versos como "Nenhuma força virá me fazer calar/ Faço no tempo soar minha sílaba"?
Segue o baile. Com o bandolim de Hamilton de Holanda, 'Qualquer coisa' se assume de vez como bolerão, daqueles tocados em bares de beira de estrada, sob luz vermelha ou lilás. 'Alegria, alegria', aquela das guitarras elétricas que chocaram o público em 1967, foi transformada num ijexá tocado por instrumentos acústicos, quase uma volta pra Santo Amaro.
'Lua de São Jorge' virou um sambão, aberto com o toque de alvorada de São Jorge seguido de atabaques. Aí é a vez de Xande fazer tabelinha consigo mesmo, a canção acabou remetendo a 'Eu sou de Jorge', que ele já havia gravado.
'Gente', que encerra o álbum, ganhou pegada de samba enredo, tem até saudação à bateria. Antes vem uma surpreendente gravação de 'O amor', música de Caetano e Ney Costa Santos inspirada em poema de Vladimir Maiakóvski e celebrizada por Gal Costa.
Ao, acompanhado por toques de tamborim, enfatizar o apelo "Ressuscita-me", tão presente na letra, Xande sublinha a vida, a juventude, o brilhantismo e a capacidade de renovação do aniversariante, que tanto ressalta o próprio conselho de brilhar e ser feliz. No mais, parabéns, Caetano, e obrigado.