Ao instalar o estado típico de pré-golpe, Jair Bolsonaro viu sair de cena o caso do miliciano Adriano da Nóbrega. Uma vitória. Parcial, mas vitória. A possível investigação e a apreensão dos 13 celulares do fugitivo levaram Bolsonaro a mostrar-se, mais do que apreensivo, temeroso mesmo. O miliciano, é claro, não foi por ele defendido e homenageado na Câmara senão conveniências especiais para fazê-lo.
Pelo visto, também a polícia e o Ministério Público sentiram-se aliviados com o sumiço do caso. Execuções para silenciar sempre têm tratamento recalcitrante nas áreas investigativa e judiciária. São perigosas ou vantajosas.
Outros silêncios, nem sugiro onde, têm lá suas explicações, nem sugiro quais. Coisas que ficam muito bem no recente patamar a que o desastre nacional nos leva.
O estado típico de golpismo não é a certeza de golpe. É a situação em que um segmento político ou militar – e em geral ambos – força circunstâncias contrárias à integridade institucional, cujo eventual abalo deixa, aí sim, o caminho aberto para a tentativa de um golpe. A reação a movimentos nesse sentido ainda é insuficiente e tímida, em comparação com a persistência de Bolsonaro e dos seus próximos na transgressão dos respectivos limites legais, de decoro e já constitucionais.
A ocorrência, nos últimos dias, não de atos isolados por parte de Bolsonaro e Augusto Heleno, entre outros, mas de uma conjugação intencional e prévia, é uma hipótese indescartável. Se o general não previu o vazamento de suas palavras contra o Congresso, nem por isso é menos certo que transmitia aos ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos a posição de romper as negociações com os parlamentares sobre o Orçamento, elevando a crise. Para a qual dava em seguida a solução, em palavra estúpida com o significado de dane-se, ferre-se, arrebente-se o Congresso.
Ao próprio Bolsonaro, em reunião palaciana a pretexto do problema criado com parlamentares, o mesmo general propõe “chamar o povo para as ruas”. A sugestão não é refutada por nenhum palaciano, civil ou militar. E é em obediência a ela, com citação explícita ao mesmo general, que surge o chamado para uma passeata, em 15 de março, de apoio a Bolsonaro e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Não é crível que a manifestação e a convocação tivessem geração espontânea, tanto mais que difundidas na internet por um direitista radical ligado a Bolsonaro.
O mais novo problema criado por Augusto Heleno exigia de Bolsonaro cuidado e silêncio sobre a provocação convocada. Fez o oposto. Não por desatenção. Estava com os lhos políticos, e mais um, em reunião permanente no Carnaval. A atestar que o chamado contra o Congresso e o Supremo é para valer, passava a ser o próprio Bolsonaro a passá-lo aos habituados a espalhá-lo país afora.
Vinda a repercussão, Bolsonaro faz o que sabe: ataca a imprensa, acusando-a de difundir como atual uma mensagem sua de 2015. Mas o vídeo inclui citação à facada que levou em 2018. Faz assim como a afirmação de que Flávio Bolsonaro condecorou um Adriano da Nóbrega isento de qualquer condenação – mas Flávio precisou ir ao presídio para entregar-lhe a medalha. Desmentidos de Bolsonaro não são verdades, são palhaçadas morais.
Quem quiser que duvide, mas o chamado ao povo contra o Congresso e o Supremo tem o odor palaciano. Foi talvez precipitado pelos riscos implícitos no assassinato emudecedor do miliciano e também ex-capitão Adriano da Nóbrega. Se não houve precipitação intencional, o efeito colateral prestou o mesmo serviço. Sem diminuir o efeito principal, de evidenciar o avanço para a situação típica do golpismo – e a reação tímida ou intimidada das instituições que podem e devem reagir mais do que à altura.