Justiça na pandemia

A difícil missão do desembargador Sergio Martins, corregedor do maior TRT do país

Por

Por Redação

No dia 26 de março, chegamos ao assustador número de 3.600 mortes em 24 horas, decorrentes da pandemia da covid-19. As vidas perdidas já ultrapassaram o montante de 300 mil.

Além da dor pelas perdas e o medo da contaminação, o brasileiro convive com a insegurança em relação ao próprio emprego, uma vez que o número de empresas atingidas pela pandemia, cumulando prejuízos até o encerramento das atividades, é cada vez maior.

A Justiça do Trabalho, como não poderia deixar de ser, não ficaria alheia a esse panorama tão difícil. A intensa movimentação dos fóruns cedeu lugar ao trabalho em home office e a audiências por videoconferência, com vistas a evitar a contaminação. O índice de inadimplementos e de acordos com alegação de força maior aumentou consideravelmente em razão do momento difícil da saúde financeira das empresas.

E, hoje, o Correio da Manhã entrevista o desembargador Sergio Pinto Martins, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, para falar da atuação da Justiça do Trabalho em tempos de pandemia.

CM – O senhor tomou posse como corregedor em 1/10/2020, em meio à pandemia da covid-19. Que dificuldades iniciais o senhor enfrentou?

 – Assumi a Corregedoria em meio à pandemia da covid-19 e me deparei com todas as dificuldades decorrentes de uma nova realidade para a Justiça do Trabalho, na qual o trabalho presencial cedeu lugar ao trabalho em home office. Os juízes, advogados e partes tiveram que se adaptar às audiências por videoconferência e a suas peculiaridades, notadamente a impossibilidade de manter o mesmo número de audiências presenciais diárias antes realizadas e os problemas de conexão. A retomada das atividades presenciais se deu de forma paulatina, mas, com o advento da fase vermelha e a necessidade de impedir a contaminação crescente, os fóruns estão novamente fechados e as atividades integralmente telepresenciais.

CM – Temos 46 milhões de brasileiros sem acesso à internet. Considerando que grande parte dos reclamantes é de pessoas de poucos recursos, quais as medidas que o TRT da 2ª Região implementou para permitir as audiências presenciais na impossibilidade da realização da audiência por videoconferência?

SERGIO PINTO MARTINS – Inicialmente, destaco que foram implementadas medidas de higiene e segurança, com a aquisição de divisórias de acrílico para todas as Varas, de molde a proteger e evitar o contato direto entre juízes, servidores, advogados e partes, quando as partes não possuem acesso à internet e se faz necessária a realização das audiências presenciais. Os fóruns foram guarnecidos com displays de álcool gel em todos os andares, com a obrigatoriedade de utilização de máscaras. As varas passaram a designar audiências presenciais com intervalos maiores, de modo a evitar a aglomeração, havendo fiscalização efetiva da segurança quanto ao distanciamento social. Foram instalados equipamentos nas salas de audiência, os quais possibilitam a realização de audiências semipresenciais, com preservação de juízes, servidores, advogados e partes que integram grupo de risco e necessitam de isolamento em suas residências.

CM – A execução sempre foi o calcanhar de Aquiles da Justiça do Trabalho. A saúde financeira das empresas piorou muito com a pandemia, com milhares de encerramentos das atividades. Como a Corregedoria do TRT da 2ª Região tem atuado na fase de execução?

SERGIO PINTO MARTINS – Ciente das dificuldades que acometem a execução, a Corregedoria do TRT da 2ª Região vem atuando de forma firme, com vistas a sanar os problemas. E há alternativas que têm se mostrado bastante satisfatórias, como é o caso das execuções concentradas, que vem se intensificando. Nesse caso, o devedor que está em dificuldade para cumprir os pagamentos devidos, faz requerimento ao Juízo Auxiliar de Execução (JAE) para a unificação das várias execuções contra si, pelo prazo de três anos e mediante uma garantia. Essa experiência deu bastante certo com clube de futebol, órgão, construtoras, etc. Implantamos também, o SOS Execução, programa que tem por objetivo auxiliar as unidades judiciárias da 2ª Região, no desenvolvimento das boas práticas executivas. Tal iniciativa inédita está em consonância com a Resolução nº 350, do CNJ, desenvolvendo a cooperação judiciária.

CM – Como as dificuldades de orçamento têm atingido as varas do Trabalho da 2ª Região?

SERGIO PINTO MARTINS – Há uma diminuição do orçamento da Justiça do Trabalho, que impacta nas suas atividades. Temos déficit de 500 funcionários na 2ª Região e não podemos admitir novos servidores. Temos um concurso concluído, mas os aprovados não podem tomar posse em razão da ausência de orçamento para esse fim.

CM – Há várias cidades em estado de lockdown e inúmeros decretos municipais declarando o estado de calamidade pública. Como ficam as audiências trabalhistas nesse panorama?

SERGIO PINTO MARTINS – Nas localidades onde foi decretado o lockdown e há estado de calamidade pública, as audiências devem ser adiadas quando se verifica que a única possibilidade que a parte tem de acesso à internet, em razão das dificuldades financeiras que a acometem, é no escritório do advogado. Nessa situação, não é possível a realização da audiência no escritório do advogado. Se a parte tiver acesso à internet, podem ser realizadas audiências telepresenciais.

CM – O que o senhor pensa a respeito da suspensão dos prazos processuais em tempos de pandemia?

SERGIO PINTO MARTINS – É importante não perder de vista que o salário tem natureza alimentar e a suspensão de prazos nesta Justiça Especializada deve ser analisada com todo cuidado, vez que a Justiça não pode parar, causando prejuízo ao jurisdicionado, que busca o adimplemento dos créditos devidos, e à atividade profissional do advogado. Se o advogado tem condições de trabalhar, não há motivo para a suspensão dos prazos, mas se o advogado sequer tem acesso ao seu escritório, no qual está o seu computador e Internet, a situação é outra.

CM – Passada a fase difícil da pandemia, como o senhor vê o futuro da Justiça do Trabalho na 2ª Região? Quais as perspectivas e projetos?

SERGIO PINTO MARTINS – Peço a Deus que essa fase difícil, na qual milhares de vidas foram perdidas, seja definitivamente superada. Passada essa fase difícil, a perspectiva é de muito trabalho, sempre buscando a excelência na prestação de serviços, dando a cada um o que é seu, com eficácia e celeridade. Além do SOS Execução, que visa otimizar a atuação nas varas do Trabalho, também iremos implantar um grupo de trabalho composto por dois juízes e quatro servidores, que atuará diretamente nas secretarias das varas do Trabalho que estiverem com problemas de atraso nos serviços, no efetivo combate à morosidade e ineficácia. Vamos intensificar, ainda, o Programa Alvará Zero, para que a liberação do numerário devido seja feita o mais rapidamente possível, de forma, inclusive, a atender as necessidades dos trabalhadores nesse período de crise econômica e pandemia.