‘Cabe a nós respeitar’, diz Motta sobre derrubada da PEC da Blindagem

Ele disse precisar de mais tempo para decidir se pauta o PL da Dosimetria

Por Karoline Cavalcante

A repercussão do tema colocou o presidente da Câmara em mais uma situação delicada

Após o Senado Federal encerrar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), vê-se novamente no centro de uma polêmica que desgasta sua imagem. Na última quinta-feira (25), Motta tentou minimizar a derrota política, afirmando que não há qualquer clima de conflito no Legislativo. A proposta, que tinha como objetivo dificultar a abertura de ações penais contra parlamentares, foi rejeitada por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, em seguida, arquivada definitivamente pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).

Em coletiva de imprensa, Motta afirmou que respeita a decisão dos senadores e que considera o resultado como parte natural do processo democrático. “Não tem sentimento de traição nenhum, até porque nós temos a condição de saber que não obrigatoriamente uma Casa tem que concordar 100% com aquilo que a outra aprova”, iniciou. “Bola pra frente, a Câmara cumpriu seu papel, aprovou a PEC, o Senado entendeu que não deveria seguir. Nós temos um sistema bicameral, e cabe a nós respeitar a posição”, completou.

Apesar da tentativa de apaziguar a situação, a repercussão negativa da proposta colocou o presidente da Câmara em uma posição ainda mais delicada. A PEC, que havia sido aprovada pela Casa Baixa na última terça-feira (16), estabelecia que a abertura de processos criminais contra deputados e senadores dependeria de uma autorização prévia do Congresso, com votação secreta. O texto, que já enfrentava resistência no Senado, foi também alvo de protestos de setores da sociedade civil, com manifestações organizadas no domingo (21) nas 27 capitais do Brasil.

Dosimetria

Outra proposta sensível em tramitação na Câmara é o Projeto de Lei (PL) da Dosimetria, anteriormente conhecido como PL da Anistia, que sugere a redução das penas de condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 — quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. O relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), segue negociando o conteúdo final com as bancadas, e o projeto ainda aguarda uma decisão de Hugo Motta para ser pautado.

Ao ser questionado sobre o andamento do tema, que teve sua urgência aprovada por ampla maioria na última quarta-feira (17), Motta indicou que ainda é cedo para avaliar a disposição dos parlamentares em votar o texto. “Não tenho uma temperatura de como está a conversa do relator com as bancadas, preciso de um pouco mais de tempo para entender o sentimento da Casa e decidir se pauto ou não o projeto”, afirmou.

A fala ocorre em um contexto de crescente tensão em torno da proposta, que inicialmente previa a anistia a “todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor da Lei”. Ou seja, a medida visava perdoar também os condenados pelo STF por articularem uma tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais sete integrantes do chamado “Núcleo Crucial” da denúncia.

Ao ser escolhido relator, Paulinho da Força esclareceu que seu foco não é conceder anistia aos condenados, mas sim reduzir as penas. Segundo ele, o objetivo é promover a pacificação política no país, afastando a polarização entre “a extrema-direita e a extrema-esquerda”. Contudo, a proposta tende a desagradar tanto o governo — que se opõe totalmente à medida — quanto a oposição, que busca uma anistia ampla e irrestrita e não se contenta apenas com a alteração da dosimetria das penas.

Disputa política

Para o professor de direito e relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Distrito Federal (Ibmec-DF), Eduardo Galvão, o fato de Motta adiar a discussão do PL da Dosimetria envia um recado claro: “não existe consenso, e isso pode custar caro ao governo”. Embora o presidente da Câmara tenha negado qualquer relação entre o PL da Anistia e o projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas que ganham até R$ 5 mil mensais, a simples especulação sobre esse vínculo gera pressão política. O professor observa que o governo está ciente de que a indefinição sobre um projeto polêmico pode impactar outros projetos prioritários para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Galvão alerta que a isenção do IR — que afeta diretamente milhões de brasileiros — corre o risco de ser refém de uma disputa política em torno da anistia. Além disso, o Centrão também pode ser prejudicado ao expor a Câmara a projetos sem apoio no Senado, especialmente à medida que se aproxima um ano eleitoral. “Motta sai fortalecido por mostrar que tem poder de travar ou liberar a pauta, mas também se arrisca. Porque quando a economia e a busca por sobrevivência política se misturam, não é só a agenda do governo que fica na berlinda: é a confiança do país nas próprias instituições”, explicou. 

O cientista político André Rosa avalia que a atual articulação na Câmara é um reflexo da falta de habilidade política de seus líderes e uma “encenação” em um momento de fim de mandato. “Há uma grande probabilidade de renovação significativa no Congresso Nacional, semelhante à de 2018, embora possivelmente em menor escala”, apontou. Ele acrescenta que, enquanto os deputados não parecem perceber essa tendência, o Senado, com sua postura mais conservadora e experiente, já entendeu a situação. “Em resumo, observa-se uma notável falta de habilidade política na Câmara dos Deputados. O deputado Hugo Motta não tem conseguido promover um ambiente parlamentar produtivo, enquanto recebe lições do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre”, concluiu Rosa à reportagem.