Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Alô, Silvio!

Hassum no papel do maior animador da nossta TV em 'Silvio Santos Vem Aí' | Foto: Fernando Pastorelli/Divulgação

Rachado entre dois jingles, de um lado o "Collorir pra mudar", do outro "Lula lá, brilha uma estrela", o Brasil de 1989, às vésperas de sua primeira eleição presidencial democrática após 21 anos de ditadura, passou dez dias a cantarolar "É o 26! É o 26! Com Silvio Santos chegou a nossa vez". Naquele ano, entre o finalzinho de outubro e a segunda semana de novembro, às vésperas de o país ir às urnas, o maior comunicador da história da televisão latino-americana fez de seu carisma um trampolim para o Planalto. Citava entre as prioridades básicas de seu plano de governo ações nas áreas de alimentação, saúde, habitação e educação, além de um ataque à inflação alta e a correção no salário mínimo.

Os reclames publicitários de seu projeto rumo à Brasília atestavam: "Agora o povo está contente/ Já temos em quem votar". Até o TSE impugnar sua candidatura, alegando irregularidades no registro de seu partido (o PMB) e vínculo com um canal de TV (o SBT), o camelô mais midiático das Américas tirou votos do PT e do PRN de Collor e fez seu fã-clube sonhar em vê-lo com a faixa de Presidente da República. Foi um período conturbado para o apresentador, para seus adversários e para a democracia, com episódios dignos de sátira política ou de thriller.

No entanto, a versão que o longa-metragem recém-rodado "Silvio Santos Vem Aí" promete trazer desse tempo é de riso, é de afeto e é de brasilidade - a santíssima trindade de valores que fizeram de Leandro Hassum a maior diversão.

"Falou 'domingo', pensou Silvio Santos, um artista que, embora todo mundo imite - menos eu -, é inimitável. Quanto mais eu tento não fazer o Silvio neste filme, mais Silvio eu fico", diz o ator de 51 anos, campeoníssimo de bilheteria, ao receber o Correio da Manhã no set de seu novo longa, nos estúdios da Quanta, em São Paulo.

"É engraçado que eu fiz a Aracy de Almeida (cantora e jurada do "Show de Calouros") no teatro e, agora, estou fazendo o Silvio. É mais uma reinvenção para mim, que me desafio sem medo dos processos criativos. Fui desafiado quando fui para a TV. Fui desafiado quando virei pai. Tô no desafio agora de ser avô, com uma netinha de meses. E fui desafiado quando resolvi encarar o cinema e virei blockbuster. O desafio aqui é respeitar a figura de um homem muito autêntico".

'O Brasil foi alfabetizado pela televisão e Silvio Santos teve um papel essencial nisso'

Coube à cineasta Cris D'Amato, diretora da franquia milionária "S.O.S. Mulheres ao Mar" (2014-15), dar um colorido leve ao histórico presidenciável de Senor Abravanel (1930-2024), nome real de Silvio, trazendo as figuras míticas de seus programas (como Lombardi e Roque) para a telonas numa produção da Paris Entretenimento.

"Não é um filme político, mas, sim, um filme de homenagem, que capta a essência do Silvio", diz a diretora, que trabalhou em séries como "As Cariocas" e "As Brasileiras" ao lado do Midas da teledramaturgia Daniel Filho. "O Brasil foi alfabetizado pela televisão e Silvio Santos teve um papel essencial nisso. Eu, que nasci no Leblon, quando criança, ia visitar minhas avós na Tijuca e na Vila Isabel, aos fins de semana, e chegava lá na hora do 'Domingo no Parque' e saía no horário do 'Show de Calouros'. Por onde eu andava naquelas ruas, eu ouvia TVs sintonizadas no Silvio Santos. Essa vivacidade e essa alegria que ele simbolizava guiam o filme, no roteiro do Paulo Cursino e no trabalho do Hassum, que nunca faz caricatura dele".

Depois do fracasso que foi "Silvio", com Rodrigo Faro, há que se temer releituras caricatas do ícone do antigo canal 11, a ex-TVS, que comandava "Namoro na TV" e o "Show do Milhão" com a mesma picardia. Porém, quem tem Hassum no elenco conta com um titã.

"O recorte de 1989 é uma forma de falar do poder que a TV teve de quase eleger um animador", diz o astro, que tem outros filmes prestes a sair da forno, como "O Rei da Feira".

Em 2012, conhecido por uma silhueta GG que deixou para trás numa bariátrica, Hassum protagonizou "Até Que a Sorte Nos Separe", um projeto da Gullane Pictures, sob a direção de Roberto Santucci ("De Pernas Pro Ar"). À ocasião, ele brilhava na TV (onde ainda brilha) e bombava nos palcos (como ainda bomba), mas almejava engatar uma carreira solo como protagonista na telona. Vendeu, de cara, 3.432.448 ingressos. Emplacou duas continuações, além de ter estrelado uma segunda franquia, "O Candidato Honesto". Só nessas duas cinesséries e num derivado de "Os Caras de Pau", ele arrastou 15 milhões de pagantes ao circuito, assumindo um trono outrora ocupado por Oscarito, Mazzaropi e Renato Aragão: o posto de rei do humor varejão. Renovou a majestade no streaming, em 2020, quando "Tudo Bem No Natal Que Vem" tornou-se um dos mais invejados fenômenos de audiência da Netflix. Simbiose mais perfeita com a persona de Silvio é impossível.

"No cinema, o Paulo Cursino é a minha voz. Nossa parceria é grande e bonita. Um dia, lá em 2017, ele me disse que queria escrever a biografia do Silvio e pensava em mim para o papel. A minha reação foi: 'Você comeu cocô? Só pode'. Aí, nessa época, passei um período mal. Tinha acabado de emagrecer e achava que tinha perdido a graça. Nesse momento eu esbarrei com um grafite do Silvio Santos jovem e pensei: 'Tem semelhança'. O tempo passou e o projeto acabou rolando e veio de uma forma em que não consigo usar as cartas que tenho na manga. Não é um projeto meu. É um projeto em que brinco sem meus brinquedos habituais, num caminho de descoberta", diz o comediante, sem medo da correção política contemporânea. "Quem tem repertório vai continuar tendo público, pois a plateia sabe separar o joio do trigo. Agora, quem só sabe explorar as pautas da opressão, uma hora vai cair".

Pautado pela audácia habitual (e precisa) de Cursino, um dos roteiristas de maior êxito comercial do país, "Silvio Santos Vem Aí" revela os bastidores do programa dominical do SBT a reboque da eleição de 89. Na trama, Manu Gavassi interpreta Marília, publicitária que vai trabalhar com Silvio. Embora fique desconfiada com seu populismo, ela vai, aos poucos, sendo conquistada pela garra dele.

"Não uso prótese para compor o Silvio e não busco comparação com seu jeito de apresentar. O que eu quero é um retrato que mostre sua humanidade", diz Hassum. "Silvio tinha uma força gigante e é ela que eu busco".

Com direção de fotografia de Hélcio Alemão Nagamine e direção de arte de Magherita Pennacchi, "Silvio Santos Vem Aí" é uma das apostas da Paris para lotas as telas em 2025.

"Tem gente que fala da televisão com desdém, sem entender a importância dessa mídia para o nosso país", diz Cris D'Amato, que encerrou as filmagens no início da semana. "Se a analogia com a TV for com TV de qualidade, com teledramaturgia boa, a gente acertou. E Silvio é coisa boa. É coisa nossa".