Por: Fernando Molica

Sem impostos e sem dinheiro

A quebradeira anunciada da maioria das unidades da federação ressalta o primarismo de campanhas como a que pede combustíveis sem impostos. As consequências da redução do ICMS do combustível promovida por Jair Bolsonaro podem ser notadas no vermelho que tinge as contas de tantos estados.

Slogans que tratam da diminuição ou fim de taxas procuram driblar uma questão óbvia: quem é que vai pagar hospitais, escolas, salários de policiais e todo o funcionalismo público? As discussões em torno da reforma tributária e projetos aprovados pelo Congresso que renovam e mesmo ampliam as isenções fiscais indicam que, mais do que pesada, a carga de impostos é injusta, pesa de maneira desproporcional.

Outro dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o gasto tributário — ou seja, as isenções de impostos — triplicou no Brasil. Aumentou muito o número de setores que foram beneficiados (recentemente, o Congresso aprovou redução na contribuição previdenciária de quase todas as prefeituras do país e de empresas de 17 setores; renovou também a alíquota zero de impostos federais para setores de turismo e eventos).

Grandes escolas, universidades e hospitais privados reconhecidos como sendo filantrópicos e sem fins lucrativos são dispensados de pagar a contribuição previdenciária patronal de seus funcionários — cerca de 27 mil instituições se beneficiam dessa isenção. Seus empregados, porém, terão direito à mesma aposentadoria dos demais segurados, valores não recolhidos por seus patrões são compensados pelas contribuições dos demais integrantes do sistema.

Todos os setores beneficiados por isenções — como a Zona Franca e o agronegócio — têm na ponta da língua justificativas para a benesse. Falam em geração de empregos, enfatizam que suas contrapartidas compensam o que deixam de pagar. As explicações são sempre acompanhadas de números nem sempre bem claros e que mostrariam a importância das concessões.

O problema é que qualquer isenção parte de uma análise subjetiva. Por exemplo: por que integrantes de 18 profissões terão direito a uma alíquota menor do futuro imposto único? Por que, na prestação de serviços, advogados, engenheiros, arquitetos e profissionais de educação física pagarão menos que mestres de obras, decoradores e faxineiros? Por que médicos serão beneficiados com percentual ainda inferior? Por que não há, pelo menos, um teto em reais para tais concessões, que terão que ser compensadas pelas contribuições dos demais brasileiros?

E aí voltamos ao combustível sem impostos. Num país atrofiado pelo rodoviarismo, a taxação sobre diesel, gasolina, gás e etanol tem peso decisivo na composição no preço final de praticamente tudo o que consumimos. O aumento no imposto de cada um desses itens estoura lá na frente, no feijão, no arroz, na carne, no livro, nas roupas, nos eletrodomésticos.

Mas um corte radical como o promovido por Bolsonaro na expectativa de reeleição apenas jogou o problema pra frente. Como era previsível, os governadores foram os primeiros a sentirem os impactos, alguns já foram renovar um pedido de socorro ao governo federal; o do Rio apelou para o Supremo Tribunal Federal.

Independentemente do resultado de pressões e processos há apenas uma certeza: nós, todos nós, é que vamos pagar a conta; deveremos repor, ainda de maneira indireta, o dinheiro que economizamos no posto de combustíveis. Uma compensação feita de maneira não transparente, que atinge todo mundo. Não custa sempre repetir — nós, todos nós, é que pagamos a conta de cada benefício concedido por governos, daí que é bom sempre controlar o bom dia que politicos gostam de dar com o nosso chapéu.